Quatro poemas de Priscila Branco
Priscila Branco é poeta, editora da Macabéa Edições e da revista toró, mestre em Literatura Brasileira e pesquisadora de poesia contemporânea produzida por mulheres brasileiras por fora do cânone. Atualmente, está cursando o doutorado na UFRJ. Faz parte do NIELM – UFRJ (Núcleo Interdisciplinar de Estudos da Mulher na Literatura) e do Mulheres na Edição – CEFET- MG. Seu primeiro livro de poesia, açúcar, será lançado em breve.
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há um cemitério neste país
escuto a voz por baixo da porta
há um cemitério neste país
apenas um, repete ela
como um grande terreno desmatado
enterrando alguns séculos
há uma gata nesta janela
pedindo que desenterre os ossos
para que coma os restos
faminta e lúcida
aguardando um coração feroz.
*
escrever,
ainda que o ato diga não,
escrever,
apesar de o céu estar em chamas
e os mortos não encontrarem memória
ler todos os poemas
para que possa chorar
e velar
o passado perdido
para que possa escrever
a partir do outro
a dor escondida
quebrar a torre
da poesia
para construir uma grande
casa
onde é possível
o luto, a vida, a voz
rasgando o incômodo
sempre preciso
dos tambores
mortais.
*
basílica à noite
no corpo, um corte profundo
como uma cena de filme bem feita
como um take da sua câmera quebrada
um corte religioso
que nem o cabelo de maria
madalena
ou judas
quem sabe a gente reescreve a história
beijando na boca.
*
tantas vezes me vi
um monstro
e ainda assim
um ser
vibrante
tantas vezes revi
em um espelho
em chamas
mas vidro não quebra
queimado
quebra com soco
pontapé e porrada
tantas vezes sofri
tão nova, tão acabada
drogada, perdida,
dada de morta
dada viva
vivinha
viúva da outra
mulher que lambia
os sonhos
tantas vezes pedi
uma mão pra morder
porque doía
a mandíbula sem nada
poucas vezes flutuei
na borda
nasci mesmo no meio
de uma embarcação
afundada.