Quatro poemas de Ramon Carlos
Ramon Carlos é coautor do livro estrAbismo (Editora Viseu, 2018).
Escreve no site: www.estrAbismo.net. Tem materiais diversos espalhados em revistas como: Mallarmargens, LiteraturaBr, Amaité Poesias & Cia, InComunidade, LiteraLivre, Subversa, Philos, Escambau, Bacanal, Ruído Manifesto, Literatura & Fechadura, Jornal Plástico Bolha, A Bacana,Cidadão Cultura e Olho Vivo.
***
Magnitude
Sangue talassemico
Os cabelos brancos de Virgínia
Enquanto estende as roupas, cantarolando
Feito pássaro de madrugada, fazendo ninho dentro do túnel
Aves de peitos luminosos, como se tivessem sido pintadas
Por Rafael, no intervalo das Madonas
Esquinas de um corpo esfarelado em diamantes
Faíscas que verberam entre as frestas dos seus olhos
Antíteses selando um acordo efêmero
Natural como cobras nadando em leite materno
“Rafael tem algum quadro assim?”
Uma dose de sangue talassemico com gás
A noite risca fósforos no crepúsculo
As estrelas acendem cigarros quando morrem
Virgínia ri enquanto prende os cabelos
Seios rijos como a ponta de um prego
Ela desenha sua imagem no espelho
Pergunta quando os fiapos brancos pararão de nascer
Lembra da lua de dias atrás
“Parecia uma boneca contando piadas”
Lembra da chuva em seu colo ontem
“Tempestade anônima sem gás”
Veste-se com a etiqueta de Versailles
Suspira ao ouvir o piano do vizinho
Mas ele não sabe tocar porra nenhuma
“Só belisca ternos de gesso”
Vai fritar ovos, conta piadas
Boneca em órbita, placebo de Vênus
Vou até a janela hoje, a luz do seu quarto está apagada
Risco um fósforo, acendo um cigarro
Observo a noite
E não morro, tal qual
As estrelas
*
Sobre nada
Mesmo que o grão disseminado
Conteste a singularidade do plantio
E a terra em desuso
Combata o florescer obscuro
Delírios ácidos acentuarão
Debalde, a irrigação nos poros
Latentes em cada movimento
Mesmo que imortalizar os vícios
Signifique simpatizar a paranoia
Ramas plácidas infinitas
Ainda codificarão o instinto
E os pressupostos doutrinarão a culpa
Se os sapos tivessem asas
Não bateriam com o traseiro no chão
Sempre que pulam
Mesmo que as pupilas dilacerem o razoável
E as bigornas sirvam de peso para papel
Alguma coerência ainda restará
E vibrará como uma víbora
No forno aceso
Jogar fora a própria vida
Significa usá-la da melhor forma
Mesmo que confrontar medo com medo
Seja um blefe da consciência
A confusão enrijece o apetite
Por tudo que se ganha sem razão
Admita que sempre foi hipócrita!
Sendo hipócrita, como posso admitir?
Ousar ou usar
Se em qualquer momento da minha vida
Eu depositar toda minha esperança em alguém
Então podem ter certeza
De que perdi a esperança
Mesmo que nada seja atributo de tudo
Tudo que se escreve sobre nada
Sobretudo
Sobre nada, esse poema
Não quer dizer tudo
Um peixe de sobretudo
Nada nada
Em seu aquário
*
Plano cartesiano
A luz da lâmpada cobriu meus temperos
Já não encontro minha doença dentro do pote
Procuro em vão, um dia sóbrio na geladeira
Comprei bolo de formiga, chá de astronauta
Um chiqueiro novo, ferraduras de anjos
Uniformes despejados, cinzeiros desbotados
Alqui mia, cheia de bigode e pose
Está tão gorda e peluda quanto seu dono
Encontrei alguns remédios contra-indicação
Quando bisbilhotava a construção ao lado
“Ei” gritou-me o proprietário lá da rua
“Se acabar com minhas pílulas
Sou bem capaz de comprar um pato e um tapete”
Já não encontro minha doença dentro do pote
A luz da lâmpada, a luz da lâmpada
Alqui não veio mais aqui
Procuro em vão, um dia sóbrio na geladeira
Comprei molho de algodão, rocambole de eutanásia
Fissuras cerebrais acrobáticas, miúdos elétricos
Ultrajes simbólicos, medo do escuro
Encontrei um pato e um tapete
Quando bisbilhotava a construção ao lado
“Ei” gritou-me o proprietário lá da rua
“Se acabar com minhas pílulas
Sou bem capaz de comprar um pato e um tapete”
Já não encontro minha doença dentro da lâmpada
Procuro em vão, um dia sóbrio no pote
Alqui mia, algo dão
Alqui mia, algo dão
Alqui mia, algo dão
Alqui não veio mais aqui
Se Alqui mia
Algo dão
*
Para Ramon Carlos
Línguas ásperas
De vidro,
Nas etiquetas das sombras virgens por fora
Ilusões são notas musicais caindo dos berços
Pentelho pro gato
Adormece na pólvora dos rins
Em greve, em breve, em verve
Entorpecido em camadas de tecido austero
Embebido no flagelo das pétalas de gelo
Voa o canto direto pro sino
Soa como sombras atropeladas
Deleite! Leite amamentado mentado
Fermentado
Improvisado
Visado e avisado
Os cacos de vidro das línguas
Calíngulas
O poeta morreu enforcado
Nas vírgulas