Quatro poemas de Raul Almeida
Raul Almeida, graduando em Letras pela Universidade Federal de São Carlos é poeta e autor do livro “Não sei dizer nem ao menos o nome” (Editora Patuá, 2019) e também integra a antologia “70x Caio – Antologia poética com 70 poetas em homenagem aos 70 anos de Caio Fernando Abreu” também lançado pela Editora Patuá em 2019.
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rodas
quando menino quebrei todos os
carrinhos ganhos
agora parece quando
se anda na rua todos
eles voltam como se
estivessem guiados não
mais por minhas mãos
mas por outras irreconhecíveis
quebrei todos os
carrinhos ganhos
ainda sim os vejo
durante o caminho vigiando
de algum lugar
que já não sou
faz-se cavalinho de pau
a minha volta algum
acidente alguma demarcação
ao chão os pneus cantando
toda a multidão parou para ver
algo perto de um sangue
algo perto do que se entende por vida
todos também pararam
para observar eu escondendo
por debaixo da cama
o que sobrou
dos carrinhos que ganhei
*
fonema
teu nome ecoa
em minha boca
que oca e muda
se repete te repete
tua boca coa
as sílabas salivas
em minha boca
teu nome vulgariza
teu nome
em minha boca
nossas bocas
em mim ecoam
*
do dia em que vi as borboletas
*para Victor Heringer
posso ficar algum tempo a te contornar como nos traços de uma criança que não mede o tamanho do papel e extrapola a margem. uma infância de rabiscos, as paredes de casa arranhei todas. nasci com três quilos a menos que o normal. na escola me empurraram da cadeira como efeito bala como feito a primeira vez em que te vi sentado parecendo
contemplar
borboletas
posso continuar a te rabiscar e será sempre como a primeira vez em que te amei. sepultado mesmo com o corpo dado como desaparecido. daqui te retrato, te engulo em seco e penso que queria estar parcelando um apartamento com um emprego concursado. mas nasci com três quilos a menos que o normal, meu pai não foi me visitar, a temperatura estava 38° graus e alguns anos depois te vi sentado parecendo
contemplar
borboletas
*
fronteiras
queria muito poder sempre chegar e te ver de costas
não vendo rosto não me vendo
te ver de costas, gostaria em continuar
te vendo de costas pois mesmo a frente sequer existiu
assim você permanece de costas é tudo que tem para dar
te vendo de costas sei o que quero [não sei dizer
[nem ao menos o nome
amor é rosto verdade e osso
e tuas costas e hoje te vendo de costas
sei que um dia elas já não me dirão mais nada