Quatro poemas de Renan Reis
Renan Reis nasceu em Mongaguá, litoral paulista. Participou do Curso Livre de Preparação de Escritores na Casa das Rosas nos anos de 2016 e 2018. Tem textos publicados nas revistas Mallarmagens, Literartéria e Algo deu Errado. Participou das antologias Curva de Rio e Carne de Carnaval. Balda, seu primeiro livro, será publicado em 2019.
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amanhece. presumo pois a baba clara
e irônica escorre da janela, cheirando
a fumaça e pressa. preciso por os óculos,
encontrar o manual “como viver mais
vinte e quatro horas”. passo o café
e constato: o dia persiste, mesmo.
persiste e cresce, persiste e ordena
esperanças. crescei e multiplicai-vos
urra um sábio no meio da praça. sei bem
que quem me vê pensa na minha prontidão.
estou arejado, vestido de acordo, ando
em acordo com as leis que eu, nem ninguém
segue. até aí, não importa, basta sentar,
saber mexer músculo por músculo
da face e provincianamente dizer: bom dia.
*
não há bancos nas praças.
os pacifistas não mais
ficam a ver as pombas
catando milho em paz.
espalhados pela vida,
mantêm-se mal vestidos.
há dúvidas se há casa
ou trabalho para onde
possam voltar. é possível
que se admirem ante
a rapidez imposta à vida,
ainda tão curta, porém,
sabiamente calam-se,
sem somar mais desespero.
as pombas ainda brincam,
ainda voam e bulham,
mas muito diferentes
de como bulham os homens
deste tempo de vidro e burnout.
ipês brancos ainda florescem.
*
haviam esperas do tamanho de casas.
– e se somos deste tamanho, onde
empenhar a esperança?
os dias eram caros, custavam horas.
olhos muito bem abertos, às vezes,
sagacidade.
e quem naquele tempo – nestes tempos –
tem tamanha potência de sobra?
era mais fácil escalar a noite, afinal,
tudo é mais fácil à noite, afinal,
as formas se dissipam, as sombras
retiram o peso dos pulmões.
as casas acessíveis eram as mais breves.
nos dias bons, todos revezavam,
ordeiramente, os espaços,
justíssimos, do tamanho de um sopro.
mas nestes tempos – naquele tempo –
ninguém suporta por mais de um minuto
tanta paz, tanto teto e lar,
onde possa se dizer: enfim!
*
somos o que levamos, por isso
veja: temos os bolsos vazios.
a noite é a nossa cortina de ferro.
cansei de quebrar as unhas, luxar as mãos.
vamos andar por mais algum tempo,
talvez hajam sobras e possamos falar.
somos o que levamos, por isso
não trague de uma só vez essa bituca.
é melhor aderir à brasa, o tempo
anda louco, todo dia é frio,
todo dia inventam uma nova forma
de acelerar a vida e estender o corpo.
eu também preferiria as poças mais rasas,
mas somos o que levamos,
tome esse abismo e trague de uma vez essa bituca.