Quatro poemas de Rita Pitschieller Pupo
Rita Pitschieller Pupo. Nasceu em 1981, em Lisboa (Portugal), mas gosta de viver perto do mar. Leitora sempre, formou-se em Ciências da Comunicação na FCSH – Universidade Nova de Lisboa, estudou formação de actores na Escola Superior de Teatro e Cinema, literatura e escrita criativa em diversos fóruns. Passou pelo jornalismo. A par do trabalho em comunicação e projectos culturais, dedica-se ao estudo da interlocução do acto poético com o processo psicoterapeutico. Lecciona o Seminário ‘Estados criativos e expressão poética no processo psicoterapêutico’ na formação avançada em psicoterapia psicanalítica da APPSI – Associação Portuguesa de Psicoterapia Psicanalítica. Tem textos publicados em antologia e várias revistas portuguesas. O seu primeiro livro de poesia, Peixe Voador foi publicado em maio de 2022, pela Editora Labirinto, em Portugal.
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Não haverá nunca estrela diurna que amorteça
a amputação de um amor grande demais
observar um pedaço de palmeira
pavoneando-se na boca de um cão
confiando aí a filosofia toda
forçar um pouco a fome para que daí venha
uma parábola de início.
I keep seeking the exit or the home
de qualquer ponto pode irradiar o gérmen grego
com que tocar o mundo.
(Peixe Voador, 2022).
*
Exactamente hoje penso em relógios de sol
na subtracção das sombras e de como
fazer um garrote com um poema
estamos perto do etéreo
a construir um castelo de intimidade sem chão
palco permanente de uma festa
em que não chegamos a aparecer.
vadiamos o amor em casas alheias
enquanto o tempo da colheita não chega
e esgotamo-nos nesta espécie de flirt intelectual
se calhar, temos o melhor de nós assim
somos amantes em linha. de espera.
não fosse o nevoeiro
e seguraria mentalmente a tua nudez para sempre.
(Peixe Voador, 2022).
*
Em todos os mares voam
profecias planadoras como sonhos
cuidadosamente enrolados num cobertor.
pode tudo começar aqui
um peixe a agitar a cauda 70 vezes por segundo
como desde sempre mas, promete
acolher do poema só e todo o espaço
umbilical gerado na intercepção mínima do eco
o excedente breve esculpido entre
filamentos de vulcânica escuta.
a cada um as suas ilhas
e sobre todos conta o enigma
de uma escrita de água. já outra
no acto próprio da escavação.
(Peixe Voador, 2022).
*
À entrada do verão
há sempre pequenas doses de eufemismo
a domar a colheita nos lugares de espanto
trânsitos, paisagens, cruzamentos
hipnotizando a espécie para agigantar o mundo.
podemos, por exemplo, polarizar
uma rasura peneirando-lhe o silêncio
soprar um galope na abertura do mar
com uma serpentina cubista
criar uma clivagem entre instantes
e diminuir um pouco o volume
da consciência para aplanar a teia.
ob-la-di Ob-la-da
é o que se espera do tempo quente:
uma caligrafia longa sem sujeito poético
que nos desenrede da urgência
para que um botão de raridade floresça na areia.
(Poema inédito).