Quatro poemas de Rodrigo Qohen
Rodrigo Qohen, 93, SP. Poeta, escritor e pesquisador. Formado em jornalismo pela Faculdade Cásper Líbero. Tem cinco livros publicados pelo coletivo Baboon. Entre a vertiginosinagem (2018), o mais recente, é um compilado de poemas acompanhado por desenhos entrecruzados. “Partida na lâmina de Bóreas” integra o livro. Outros escritos podem ser lidos no blog Quimera Delirante.
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Partida na lâmina de Bóreas
Capa de folhas que mastiga o vento
____As flores laranjas dantes
____que sacodem na digressão,
Digeridas nesse pomo outoniço e flamejante.
Caem como os marujos com escorbuto
____Os tombos das nuvens, ideias
Viagens do caule, cheiro de selva
Ao chão da estação, no inverso com gelo
Só, à espera da vogal que afugenta os ouvidos
Vergão chicoteando trilhos vermelhos
_______tremendo na ponta fria
_______meu transporte para o lar
Faço como o lavrador e desplanto raiz
Decapita o juiz para partir em liberdade
O apito dobrado,
_______o sino anunciando o funeral em cinzas
_______como um arpão de encontro às rochas
_______A morte do capataz.
_______Marchados ao meio,
_______entre pensamentos que deixo
_______e o reflexo do desejo que vejo no vidro
_______Sobre o rosto do menino dentro
_______que desenha no bafo um companheiro,
___________________aquele que completa comigo.
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Pedra na garganta do canto
Pernas vibram a energia cantiga
____enquanto estilinga os gorjeios.
Menino travesso penando ser deus
____treme ao toque e nada.
Aguarda o jaguar na mesa em jantar
_______A onça-pintada morrendo afogada.
Algo no fundo com as algas
____enrolam em sushiiiii as ondas. Caladas!
_______A rosca oposta ao parafuso
_______se torce na garrafada.
____O sangue repartido entre milhões de fiéis
navega léguas no fim de dar bem aos maus.
Brilham os filhos ameríndios
Cocares e pirâmides sob as solas de gigantes com armas nos dentes
Os paus em brasa que acertem canhões
___________________acendem as flechas
___________________furtivas nas selvas,
___________________urtigas não vistas
___________________e opiniões rolando em colinas.
Abaixem-se perante os reis!
____Serpentes antes aniquilam os três
____________últimos da linha guia
Eis que desconheço o texto
____que escrevo com urros
________________Dos burros E OH!
________________com murros, sem muros, nem dó!
________________Nunca estou só na mata fechada
____________Até que machadas rodopiantes encontram o caminho
____________derramando o menino retido.
Tadinho
____do pássaro que piava no galho.
*
Maxambomba
Espiralando fibras edulcoradas
Alimento, o sonho das crianças montadas em freiras
Gira-gira, os garotos que são vacas
________e as meninas, os galos
________Os cachorros, macacos
________e os cavalos, as cobras
Gafanhotos comendo calcanhar.
Os calções têm manchas úmidas
___________do sobe-desce devasso
A mão no pole frio, e as coxas na sela aquém
O mundo novo onde o rodeio ganha o jogo
Risadas diafragmentadas, força natural
Dentro do círculo do tempo que para
as cores e sons fundidos no giro,
no fantástico
que é real
.
O troco de cada um
___paira em mão de operador
Motor do vigor de tantos corações
___que mal foram quebrados
No filé, em mantra indiano e contornando o quarteirão,
___um a um espera sua peça.
___Presas dos monstros que habitam a jaula redemoinha
___que com a ajuda do vento, transforma os grãos num sonho só.
*
Tintim com úlcera
A manchete do dia anuncia:
“Devido ao término dos recursos financeiros destinados ao intestino fiscal…”
Eles vão contrair uma úlcera antes de mim. E olha que eu bebo pra caralho.
________Eu sou o vírus da discórdia
A víbora que espalha os benefícios da maçã
________Eu sou aquele que não chora,
cobre o riso do rosto e não revela a malícia
________Eu sou o buraco na fechadura
Voyeur das almas privadas camuflado nos arbustos
________Eu sou Hélio, que deixa o ego
voar
e rouba para si o brilho de Vênus
________Sou o meteoro no céu dos dinossauros
e o piolho da coceira dos cabeças pretas
________Sou o fogo do escorpião suicida
e aquele que ferve o tanque dos hipopótamos
________Sou o saco de gelo que não derrete
e o trompete anti-furacão do menino Tintim
________Sou o urso hibernando
a sonhar com o banquete de sashimis
________O babuíno bebe primeiro no rio lamacento
e deixa os crocodilos para o bando que vem atrás
________O bêbado rouba espumante vagabundo pela manhã
e celebra os espólios da noite enquanto tropeça no bom dia
O último dodô no transe do compasso das Neves
O vício acordado depois de anos entorpecido
O sono do trabalhador durante o exercício
O ócio compulsório em Estado de delírio
O ácido lisérgico no coração do pecador
E eles… e eles?
Eles que se cuidem dos umbigos inchados pelo tampo mal gástrico
Eu, sua comida, estou chegando.
Créditos das fotos:
1 – do poema “Pedra na garganta do canto”: Vitor B. Cohen
2 – do poema “Maxambomba”: Drago [Victor Dragonetti]