Quatro poemas de Thiago Gallego
Thiago Gallego (Rio de Janeiro, 1993) é poeta, programador de cinema e roteirista. Autor da plaquete Canções para o fim do mundo (2016, 7letras) e do livro Histeria coletiva (ou O mundo acaba quando ganha) (2014, Luma Foundation). Junto ao coletivo Blixx organizou eventos de performance poética e editou a revista Bliss X (2021, BR75 e Garupa), o blog Bliss não tem bis e a revista-disco de poesia de mesmo nome. Dirigiu o curta Pequen s atos de desaparecimento (2017), em torno do trabalho do poeta Ismar Tirelli Neto, e é corroteirista de Madalena (2021), com direção de Madiano Marcheti.
Os dois primeiros poemas foram originalmente publicados em “Histeria coletiva (ou O mundo acaba quando ganha)” (2014, Luma Foundation). O terceiro não foi publicado em lugar nenhum. O quarto foi publicado na coletânea You fucked me so good that I almost said I love you – poemas para gays tristes lerem enquanto escutam Lana Del Rey, que tá disponível pra download gratuito aqui:
https://www.edicoesmacondo.com.br/lana
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histeria coletiva
em 1518, em estrasburgo
centenas de pessoas dançaram
sem música sem motivo
até cansar até morrer
450 anos depois,
na região de tanganyika, tanzânia
cidades inteiras riram
um ano e meio
a mesma piada
na índia de 2006,
uma cidade bebeu
do rio mais poluído
súbito doce súbito potável
até o dia seguinte
sujo de novo
nenhum caso, porém
espanta mais que aquele
milhares de anos atrás
o casal imortal que jurou
ver na árvore a cobra
na cobra a fruta na fruta
a mordida o pecado a voz
“vocês foderam tudo”
desde então, acreditam povoar
o mundo, acreditam o mundo
desde então, sentados no jardim
maçã apodrecida aos pés
vivem a ilusão de ser 7
bilhões
dançar sem motivo
rir por anos a mesma piada
beber do rio podre
podre podre podre
meu deus, que rio imundo
feito fosse potável
feito fosse doce
*
o rafa quando anda
parece que pula
hoje ele tá triste
aí não pula
*
se eu pudesse te chupar
era melhor do que estar lendo os teus poemas
não é por nada
mas se eu pudesse ficar deitado
enquanto vc enfia 1 2 3 dedos
e diz
só meto
depois q a mão tiver descoberto
isso tudo
era melhor do que te ouvir performando
e olha que eu gosto dos poemas
acontece que eu gosto +
de ficar à vontade
e as mto boas coisas q cê escreve
tuas opiniões impressionantíssimas
não são nada
perto da língua
nos dedos do pé o cu
o suvaco
eu podia te ouvir
e até discutia tb sei lá
o sentido do verso em tempos de fascismo
mas que 1 vez só
1 vez só
béquizinho
a gente deitado
eletrônica anos 90/o disco de clara lima/a calcanhotto mais batida
e só
1 night romance
depois é cada um pro seu canto
pra sua vida
se esbarrando nos rolês
lendo uns poemas
umas cervejas
2 homens
*
Arpoador
ao som de high by the beach
se não quer os joelhos ralados
não vá mamar nas pedras
não vá mamar nas pedras
com pertences valiosos
deixa em casa o melhor de ti
as pedras são rápidas
e furtivas
como os amores
nas pedras
com o sol se põe a vergonha
e das pedras
do seu escuro pedregoso
é feita a arena dos insones
dos viciados dos amantes
se vai mamar nas pedras
talvez seja bom levar um casaquinho
uma tangerina um balão
passa-se muito tempo nas pedras
e ninguém te quer sóbrio
com fome, frio e cheio de desejo
nas pedras
a mamada é breve
mas farta
mama
mama
1, 2, 3
rolinhas
mama sim
meu bezerrinho sedento
toma nas pedras
o que te privam os dias
visse o mar?
sentiu a umidade do solo?
areia
vento
erosão
estranha coreografia
com que agradecem os rapazes
– teus parceiros de pedra –
pelo pulso da vida
voltará mais velho
talvez
cansado
por que não?
todo cheio de cinismo
mas quem não estaria
não é mesmo?
por isso digo não vá
mas se for
re fes te le – se
que segunda te quero bem
independente
do trabalho ou da falta
dele, do dinheiro ou da falta
nessa boca?
um sorrisinho
– deus sabe o rochoso
desses dentes –
a pele até mais brilhosa
um resto de sal
que os banhos não apagam
e os joelhos ralados