Quatro poemas e uma tradução de Eduardo Sterzi
Eduardo Sterzi nasceu em Porto Alegre em 1973 e desde 2001 vive em São Paulo. É professor de Teoria Literária na Unicamp desde 2012. Publicou, entre outros, os livros de poesia Prosa, Aleijão e Maus poemas, assim como alguns volumes de estudos literários, entre os quais Por que ler Dante e A prova dos nove: alguma poesia moderna e a tarefa da alegria.
***
Voltar
Voltar à grécia
voltar à sicília
voltar à suíça
voltar à bahia
voltar a lagos
voltar a nápoles
voltar a berlim
voltar a araraquara onde enfim dormi
voltar àquela pracinha da garbatella onde bebemos spritz
voltar à fondamenta delle zattere de onde se vê a giudecca
e voltar à giudecca na noite do redentor pela ponte do redentor
voltar ao bar do hugo e ao bateau îvre
e ao balcão do galeto
comer canja com tosta
conhecer a islândia
seus vulcões
e auroras boreais
conhecer a escandinávia
conhecer a ásia
e o sudeste da ásia
e as monções
e a tundra
conhecer a grande áfrica de cinquenta e quatro países
conhecer hong kong e macau
conhecer las vegas
e o méxico
conhecer o irã
e os bálcãs
conhecer parelheiros
(são paulo tem quatrocentos rios e quatrocentos e cinquenta bairros)
voltar à liberdade e ao bairro da liberdade
conhecer enfim o japão
[do livro inédito Unicórnios e chimpanzés]
*
História universal
Hoje à tarde em kassel um alemão me disse
aqui nesse país há um monte de assholes
mas há também um monte de gente boa
eu disse: no meu também no meu também
Acabamos de fazer um resumo da história universal
ele disse e em seguida me disse para tomar cuidado
com idiotas que usam botas pretas e têm a cabeça raspada
eu disse: você também você também
Ao longe perto de uma árvore muito alta
talvez a mais alta do parque
trezentas mulheres faziam ioga
como leoas em círculo acossadas por um céu de hienas
(Não é mais interessante perguntou o alemão
do que todas essas obras de arte contemporânea?)
[do livro inédito Unicórnios e chimpanzés, já publicado numa plaquete do ciclo Vozes, versos]
*
Salvo-conduto
Aquele que usa barba
se esconde
atrás da sua barba
como aquele que tem
nariz
se esconde
atrás do seu nariz
mas ninguém lhe pede
que raspe o nariz
para o retrato
da carteira
de identidade
nem lhe pede
que raspe o nariz
se quiser voltar
um dia
ao seu país
[Do livro inédito Unicórnios e chimpanzés, já publicado na revista ContraCorrente e, com traduções para o catalão, o espanhol e o francês, na sèrieAlfa]
*
Círculo polar
A europa não tem jeito
A américa muito menos
A áfrica nem se fala
A ásia aquele horror
A oceania fica muito longe
[do livro Maus poemas]
*
Canção de Baco
(de Lorenzo de’ Medici, dito o Magnífico)
Como é bela a juventude,
entretanto tão fugaz.
Tão alegre hoje se faz:
amanhã seja inquietude.
Este é Baco, esta é Ariana,
belos, um por outro ardentes:
porque o tempo foge, engana,
sempre juntos vão contentes.
Estas ninfas e outras gentes,
tudo nelas é fullgás.
Mundo alegre hoje se faz:
amanhã seja inquietude.
Estes sátiros felizes,
das ninfas enamorados,
por bosques e chafarizes
emboscaram emboscados,
e por Baco são dançados,
para a frente e para trás.
Mundo alegre hoje se faz:
amanhã seja inquietude.
Estas ninfas têm cuidado
de não serem enganadas:
só de Amor têm reclamado
gentes grossas, malgradadas;
ora juntas, misturadas,
cantam, tocam por demais.
Mundo alegre hoje se faz:
amanhã seja inquietude.
Esta carga, que lá vem
sobre o burro, é Sileno:
é velho e bebum, mas tem
esse corpo de anos pleno;
nunca reto, mas sereno,
se ri, enquanto não jaz.
Mundo alegre hoje se faz:
amanhã seja inquietude.
Midas vem logo depois:
o que toca, ouro se torna.
Tanto faz tesouro ou dois
quando tudo nos transtorna.
Que doçura a vida adorna
quando água é aguarrás?
Mundo alegre hoje se faz:
amanhã seja inquietude.
Abram todos os ouvidos,
de amanhã ninguém se nutre;
velhos ou recém-nascidos,
dançamos, como se abutre
nenhum nos vigiasse; futre
quem a festa nos desfaz.
Mundo alegre hoje se faz:
amanhã seja inquietude.
Damas e jovens amantes,
viva Baco e viva Amor!
Cantos, danças são instantes,
e o coração, doce ardor.
Nenhum cansaço nem dor!
O que será, tempo traz.
Mundo alegre hoje se faz:
amanhã seja inquietude.
[tradução inédita]
constanca
Muito lindo. Muito lindo!