Quatro poemas e vídeo-poemas de Yasmin Nigri
Yasmin Nigri (1990), é carioca, poeta, artista visual e mestre em Filosofia (UFF). Participou da antologia 50 Poemas de Revolta (Cia da Letras, 2017) e é colaboradora da Revista Caliban. Os poemas que integram esta seleção estão presentes em seu livro de estreia, Bigornas, que sai no início de agosto pela Editora 34.
***
Hula
te mostrei o caminho da cama
você perguntou
é daqui pra onde?
então levei sua boca a meus lugares favoritos
concorda que antes de irmos à lona
levamos um bom par de horas?
como você pôde achar que te manchei?
repara antes do nocaute
eu ia casar com você
e se você tivesse pedido com muito jeitinho
eu teria feito seus filhos
sem querer filhos
como você pôde achar que te manchei?
o luto tem que passar
não dá pra viver mais
nem um par de horas
dessas que se afastam e se perdem
na vastidão de dias irrelevantes
como você pôde achar que te manchei?
eu não deixei de amar você
só tô puta
só tô desesperada
mas já tá tudo resolvido
eu vou sentar na sacada
arremessar coisas na cabeça de quem pareça apaixonado
como você pôde achar que te manchei?
era pra ser madura?
era pra ser adulta?
o que você queria que eu fizesse?
botasse um colar de havaiana e dançasse hula?
*
Pastilhas garoto
foi curioso notar que
nunca te superei
como nunca superei
nenhum ex
meu terapeuta disse
essa semana
não existem
maiores abandonadas
passei meses sem tempo pra transar
lembrei de você
quando dei conta das tarefas
já não sentia falta da rua ou das pessoas
machuca tanto esse fingimento permanente
que tem sido encontrar pessoas
também hoje lembrei de você
dizendo que ia à banca comprar cigarros
e voltando com um bombom sonho de valsa
e pastilhas de menta garoto
porque eu amo pastilhas de menta garoto
você mordia um pedaço do bombom
e deixava todas as pastilhas pra mim
afeito a entradas dramáticas
chegava da rua jogando o maço na mesa
depois mostrava as mãos fechadas
e pedia pra eu escolher uma
mas você nunca revelava o que tinha
ao invés disso me beijava a face inteira
sorrindo você dava com os dentes
quatro até mesmo cinco vezes no meu rosto
e sem fechar a boca frouxa
abria as duas mãos ao mesmo tempo
numa havia sempre um bombom sonho de valsa
e na outra pastilhas de menta garoto
eu te puxava pra cama e preparava
uma surra de beijos que consistia em
bater diversas vezes com a cara no seu corpo
você ria tão alto quando eu gritava
SURRA DE BEIJO
imitando a voz do darth vader
talvez fosse esse o motivo
das surpresas com pastilhas e bombom
todo santo dia
hoje eu bem poderia transar
mas vou mastigar pastilhas de menta garoto
enquanto fumo um cigarro
*
Rua de ontem
A gente assistia Anticristo na cama comendo pastel de chocolate
enquanto você me acariciava a barriga
Naquele tempo já parecia tão difícil a união
Como era mesmo que você me olhava quando a gente ainda se via?
Uma duas várias ondas de raiva te destruíam as mãos e a louça
Leão enjaulado eu defendia seu show à plateia estupefata
Meti a mão na sua cara
Verdade seja dita eu meti a mão na sua cara algumas vezes
— Você fica parecendo uma vagabunda com essas argolas de solteira
O motel aos dezoito era mais ou menos: vestir roupões brancos que engoliam a gente pedir macarrão com camarões e escolher com esmero aquele corpete branco com meias ¾ e um salto Melissa
Como era mesmo que você me olhava quando a gente ainda se via?
Na festa em que tomamos LSD pela primeira vez
pulamos a noite inteira na grama
— Você sabe como minha mãe me irrita mas eu não empurrei ela
Nem dinheiro tínhamos pra pagar
juntamos metade dos seus livros
e vendemos no sebo
Aos sábados eu cozinhava enquanto você jogava GTA
— Eu não preciso de amigos eu tenho você
E largávamos tudo sujo na pia
Às vezes me levava uma rosa vermelha
escondida nas costas
O buquê, você leu, era enfeite pra casa
Com base no trecho acima marque a(s) alternativa(s) correta(s): a) dona de casa não é sujeito; b) livro de autoajuda não é literatura; c) buquê não é flor; d) só pode existir cavalheirismo em uma sociedade profundamente machista
Aos finais de semana fazíamos
amor na praia de Copacabana
No barco náufrago você sacrificava sua família e me salvava
Two against the world
— Não pode sair sem mim
— Eu tô tentando melhorar
— Uma coisa de cada vez
— Calma!
Brigando fora de casa
Brigando dentro de casa
Xingando aqui e acolá
Fim
foi tudo um sobressalto porque o amor é um sobressalto e fica difícil enxergar o que tá por trás desse salto descer desse salto pisar no chão novamente o chão é duro a suspensão é sempre deliciosa crescer nem sempre é uma coisa boa guarda isso você não vai precisar mas se for guardar algo de tudo guarda isso saber que você anda gritando com a sua namorada nova escutar vai tomar no seu cu duas vezes acabou tudo sabe amor não pode ser conivente assim não basta o feminismo liberal não basta desculpas não bastam arrastam a corrente eterna
Es bleibt uns die Straße von gestern
*
Mulher Malevich
Sua inconsistência
é muito consistente
Uma vez perguntei:
— Por que você faz se é impossível?
— Porque é interessantíssimo.
Ela se diz livre como as cores
quando finalmente liberadas
pelos abstracionistas
Ela é a coisa mesma
E eu a mesma coisa
O que realmente é visto quando se vê?
Uma mulher Malevich
ultrajantemente livre
Já não sei se posso me abrir o suficiente
Uma vez me chamaram agressiva agressiva
Ela veste branco
e lembra os dias de escola em que eu me cortava
Ela diz me beija
e o coração levanta voo
_____________________
Foto tirada por Mariana Botelho.