Quatro textos de Claudia Abeling
claudia abeling nasceu em 1965 em são paulo. cursou editoração na eca/usp e trabalhou em diversas editoras paulistanas. há alguns anos, se dedica à tradução literária do alemão.
p:l:a:n:g:e: p:l:a:n:g:e é o primeiro livro em que surfa as próprias ondas.
os três primeiros textos abaixo são de p:l:a:n:g:e:p:l:a:n:g:e (são paulo: quelônio, 2019), o quarto é inédito.
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soirée
(ligeiramente inspirado em e. pound)*
guardou os centavos dos trocos para doar ao crowdfunding da publicação. procurou no mapa, achou o bar, foi ao lançamento. junto à dedicatória, uma selfie com o autor. e o jovem (que não era peregrino americano) conversou com pessoas que liam.
“eta penca de gente sabida!”
mais tarde, postou: li três, gostei de dois – e se sentiu muito autor também.
*Soirée: Ao ser informado de que a mãe escrevia versos, / E de que o pai escrevia versos, / E de que o filho mais novo trabalhava numa editora, / E que o amigo da filha segunda estava escrevendo um romance, / O jovem peregrino americano / Exclamou: / “Eta penca de gente sabida!”.
In: Ezra Pound, Poesias. São Paulo/Brasília: Hucitec/UnB, 1983. Trad. de Mário Faustino.
*
pegou o celular e consultou o tempo em niterói e a cotação do euro e checou e-mails e mandou sms e tirou foto e enviou a foto pelo zap e conferiu o face (o seu e o dela, sempre) e pagou conta e leu notícias e baixou livro e comprou ingresso e iluminou a sala e fez conta e procurou pelo norte e gravou sua voz e ouviu música e avaliou o vinho e escaneou o texto e seguiu a dieta e aprendeu um trajeto sem tanto trânsito e detestou a atualização do app que define seu eu lírico.
*
cemitério das palavras
lista, por ordem alfabética, das palavras falecidas encaminhadas pelo instituto médico legal e serviço de verificação de óbitos para sepultamento nos cemitérios públicos:
amplexo (*1579), abraço.
brunir (*1261), dar lustro.
cirieiro (*1543), aquele que faz ou vende velas.
doblez (*séc. xv), fingimento.
euteamo (*7 fev – † 18 dez 2008), o céu e o inferno.
*
alucinação momentânea
o terraplanista suicida to be
vai tropeçar na borda da sua pizza
e despencar em queda livre
duplo carpado mezzo mussarela
mezzo calabresa
de cabeça no universo
escuro (ou verde)
das suas azeitonas