Se um dia eu disser que te amo – Por Michel Yakini
A Coluna Michel Yakini apresenta crônicas, contos e poemas deste autor paulistano, atuante no movimento literário das periferias de SP.
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Se um dia eu disser que te amo
“E a Terra era criancinha ainda
Quando eu comecei te amar…”
Amor Cósmico – Oliveira de Panelas
Dezessete de junho de 2021. Comemorei quatro décadas de vida. Nessa fase não evito mais dizer eu te amo a quem eu dedico e recebo afeto sincero. Já fui questionado se amar um tanto assim de gente é mesmo possível e já assustei ao verbalizar essa coragem. O fato é que a palavra amor não é mão dupla em todas as relações que eu cultivo.
Por um tempo pensei que algumas as pessoas preferem sentir o amor em vez de verbalizá-lo, mas também percebi o medo em oferecer ou receber essa frase, pois posso ser interpretado como se estivesse fazendo um convite pro amor romântico, idealizado e cheio de projetos, quase como num pedido de namoro, casamento ou pra saciar uma atração fatal.
Verbalizar amor a alguém que não necessariamente queremos casar é algo mais difícil, pois somos ensinados desde sempre que amor só deve ser oferecido aos parentes próximos, amigos antigos e a quem queremos viver romanticamente, e olha lá, muitas vezes nem nesses casos.
Em “Tudo sobre o amor – novas perspectivas”, bell hooks sugere que o amor não é um sentimento ou uma emoção, e sim uma ação. Pra além de carinho e afeição é preciso praticar ações de reconhecimento, respeito, compromisso, confiança, honestidade e comunicação aberta pra experimentar uma ética amorosa.
Mas como praticar o amor, se na maioria das vezes prefiro esconder ou mentir, seja pra não constranger outras pessoas ou mesmo pra não abalar a expectativa que assumo nas relações afetivas, onde amar alguém pressupõe a exclusão da possibilidade de amar outras pessoas?
Quantas e quantas vezes não deixei de vivenciar ótimos encontros, com pessoas que deixaram ou poderiam deixar marcas positivas em minha vida, porque coloquei a mentira e a negação como escudo?
Esse medo da verdade, segundo bell hooks, acontece porque desde cedo assumimos que dizer a verdade nos aproxima da dor e nos dá a sensação de evitar se machucar ou machucar alguém, por isso não dizemos a verdade nem quando alguém nos pergunta como estamos.
Neste sentido, hooks relaciona o culto a mentira com o consumo, já que ”as mentiras fortalecem o mundo da publicidade predatória” e “nossa aceitação passiva da mentira na vida pública, particularmente nos meios de comunicação de massa, encoraja e perpetua a mentira em nossa vida privada”.
Pra psicóloga e ativista anticolonial, Geni Núñez, que é de origem guarani, uma questão importante para ser discutida é a monogamia, imposta desde as missões jesuíticas e incorporada na lei matrimonial. Pra ela a problemática da “monogamia não é sobre ser um afeto possível, mas ser, necessariamente, o único, o principal. Espontaneidades afetivas não precisam ser resguardadas por lei, contrato, sanção. Os sistemas de monoculturas não admitem concomitâncias”.
No texto ”A monogamia é o terraplanismo afetivo˜, Geni indaga: “Quando você admira a beleza de alguém, é, necessariamente, porque acha feia a pessoa que namora? Quando você admira a sabedoria de alguém, é, necessariamente, por que acha pouco inteligente quem namora? Quando deseja alguém, é, necessariamente, por que não deseja quem namora?”.
Pra Geni, uma relação, mesmo quando vivida com apenas uma pessoa, se não é pautada na posse, controle e cerceamento, não deveria ser chamada de monogamia, pois se você namora com alguém, mas se relaciona com seus amigos, parentes e faz escolhas profissionais e afetivas sem sofrer represálias, isso é uma relação não-monogâmica, é a busca pela “artesania dos afetos”, pelo “reflorestamento do imaginário”.
Já bell hooks atenta que estamos vivendo uma época de desamor, e de certa maneira nos acostumando com isso. Eu mesmo percebi que em duas ocasiões recentes em que expressei amor pra pessoas queridas, com palavra e ação, recebi como resposta o silêncio e um pedido de revisão da minha intensidade.
Respeitei e acolhi ambas as respostas, mas fiquei pensando como seria se em vez de amor eu tivesse expressado o desamor. Teria recebido uma resposta na mesma altura? Quando a gente destila ou recebe ódio, qual é a primeira reação? Silêncio? Pedido de revisão ou pagamento com a mesma moeda?
Tanto pra Geni Núñez, ao tensionar a imposição da monocultura, quanto pra bell hooks, ao dizer sobre a sociedade do desamor, essas estruturas são formas hegemônicas geridas, respectivamente, pela colonização e pelo consumismo. Já que vivemos numa sociedade pautada pela posse, exclusividade e hierarquia (sobre as pessoas, a natureza e as coisas), por meio de contratos e combinados que coíbem e penalizam a autonomia afetiva. Além disso, estamos imersos em uma cultura de dominação que aposta no medo como garantia de obediência e controle. Então, como desenvolver confiança quando se tem medo?
Por isso, ando focado em acolher e curar o medo, e isso tem me aberto muitos caminhos, o principal tem sido aprender a verbalizar e nomear o que sinto e também cultivar a serenidade. Me concentro nisso porque não posso oferecer aquilo que eu não tenho. Então, bóra se amar antes de oferecer amor, na consciência de que se sentir melhor não significa se alienar com os escombros do mundo, pelo contrário, isso só aumenta o discernimento e a responsa de cada caminho escolhido.
WALKIRIA APARECIDA DIAS
NAO SOU DE LER MUITO MAS ESTAS ESCRITAS DE VCS ME FACINA CHEGO ENTRA NA PESSOA E SENTIR O QUE FOI E COMO FOI QUE LEVOU ELA ESCREVER ESTE TEXTO BELO SEMPRE CURTI E AGORA MAS AINDA PARABENS GRUPO LINDO