Seis poemas de Ana Farrah Baunilha
Ana Farrah Baunilha é gaúcha de 1981. Teve sua escrita notada nas redes sociais quando seus textos começaram a ser publicados em blogs e revistas eletrônicas de literatura contemporânea no Brasil e em Portugal. Participou da coletânea de contos Sete Pecados, pela editora Scenarium Plural e da antologia ‘Contemporâneas’ na revista Vidas Secretas, editada por João Gomes. Publicou poemas também no Livro da Tribo, pela Editora da Tribo. É colaboradora/curadora na Mallarmargens, revista virtual de poesia e arte contemporânea. Escreve sem eira em poesia sarcástica, mas transita entre outros estilos. No momento, Ana trabalha com Estética e escreve nos intervalos entre uma massagem e outra. Publicou o livro Orquídea Trepadeira e outras flores ordinárias, em 2017, pela Editora Benfazeja; em 2018 publicou Os Mortos do Apartamento 21, pela Editora Patuá.
Os poemas abaixo integram livro a ser publicado: Demônio de Pelúcia.
***
voraz
e eu achava normal você entrar à força
sempre tão agressivo, tão dono do terreno
da carne, dos buracos.
eu gostava de você assim
tão grosso, tão rei, tão a coca cola toda
achava lindo te ver sempre tão desesperado
quando já na porta do quarto me empurrava
de volta pro banho
ou afogava minha cara no travesseiro
achava bonito a tua voracidade em me comer
pra matar a fome de tantas coisas
que eu nunca soube
eu sublimava a minha dor e calava fundo
as mágoas todas no colo do útero
*
você, pelo visto, adora uma tragédia
pelo visto vc gosta de atiradores de faca
pelo visto vc gosta de açúcar mascavo
pelo visto vc gosta de Bjork
pelo visto vc curte um Flash Mob
pelo visto vc gosta de gatinhos
pelo visto vc gosta de dançar na beira
pelo visto vc curte fronteiras
e por isso fica em cima do muro
pelo visto vc gosta de piratas
pelo visto gosta de polícia e gosta
pelo visto também de ladrão
pelo visto vc curte um rock’n roll
pelo visto vc gosta do diabo e
pelo visto reza
você, pelo visto, é violência pura
*
Bailarina de Quinta
E eu quis ser tua concubina, tua dançarina particular, teu fim de carreira, teu caos primordial, ser teu dia do fico, teu Congresso Internacional, teu hotel seis estrelas. Quis ser o fim da tua cerveja, tua baba e tua barba por fazer, ser teu prato e teu cartão, teu canudo e teu sorine, eu quis ser teu rivotril, teu travesseiro, teu ronco. Ser a tua deusa, teu ritual satânico, teu sangue, teus shots de tequila, ser tua comida, teu cardápio: café, almoço e janta.
Fui eu mesma.
*
Meu amor me trocou por um aplicativo de sexo casual o amor me trocou por unidos venceremos e um pé de Iemanjá pisando descalça no chão da sala onde deitei e esfreguei a buceta em posições absurdas de ballet. Trocou meu Grimório por um livro de São Cipriano. O amor me trocou por um quarteirão com queijo batatas fritas coca-cola, trocou seis por meia-dúzia trocou uma nota de quinhentos, trocou meu voo de lugar, trocou 3 gramas na biqueira me trocou por uma vídeo-chamada, me trocou por cabeçada na parede, cortou a testa de fora a fora e me trocou como trocasse de cueca zorba modelo antigo de algodão me trocou por uma banda de metal sueca me trocou por uma viagem a Helsinque e a Finlândia inteira, o amor me trocou por uma paisagista calma e equilibrada como devem ser as paisagens. O amor me trocou por um jardim de amor-perfeito e dentes brancos.
*
já matou, ele disse
eu vi certo glamour no ex detento que me levou pra comer um xis e quebrar icebergs
duas semanas de convívio e eu não aguentava mais preparar aperitivos e passar a bandeja para 20 cabeças como fosse uma garçonete que sorri forçadamente por uma gorjeta
larguei tudo na pia, saí pela estrada de terra até esticar meu dedo na BR e entrar na boleia de uma Scania pra chegar na minha casa e nunca mais sair
desde então não ponho a cara na rua
aprendi a tricotar com meus próprios cabelos e só pretendo parar quando terminar um cachecol que dê duas voltas no pescoço de um ciclope
*
Transgressões portáteis do escritor brasileiro narcisista auto-destrutivo contemporâneo
Já apanhou da policia, foi corno de um amor antigo e jogou amônia nos olhos.
É doutorado em direito, gosta de comer travesti e dar cabeçada na parede
Bebe de cair e amanhece na sarjeta
Foi à bancarrota, sofreu a mais profunda miséria, passou fome
Pegou sífilis na adolescência
Três overdoses e uma parada cardíaca
Entra pra igreja e regenera
Recai com força
Alcoolismo perene
Vai preso
Apanha mais
É solto e picha um poema no muro
Escreve um livro
É preso novamente por embriaguez e desordem
Apanha de novo, leva coronhada e desmaia
É suspenso do serviço militar
A esposa troca-o pelo melhor amigo
Entra na política
dá palestra motivacional
se candidata
Participa de uma antologia de blues
forma uma banda
toca na noite por mixaria
Blues para executivos
Vira representante da Hinode
Contrai um câncer
Foge da quinta seção de químio
Tenta suicídio com tubos de glicerina
não morre, mas fica sequelado pra sempre
cruza a fronteira pra buscar maconha medicinal
é pego de novo pela polícia
Passa mal e é internado às pressas
Passa 5 noites na custodia e foge
Vira pai de santo
agora lê os búzios e o tarô para políticos e artistas
Vende bala de gengibre nos busão
Faz malabares no sinal
vende poesia no sinal
vende o corpo no sinal
Faz um zine pornô
cria uma rede de prostituição
alicia menores
Um primo médico lhe arruma um atestado falso de invalidez
Tenta uma aposentadoria rural sem sucesso
e vai plantar amendoim no serrado
Enlouquece e vira encantador de lesmas
morrer que é bom é para os fracos
É submetido a seções de eletrochoque
entra para a luta antimanicomial
mas é internado novamente e passa meses na solitária
É processado por plágio
arruma uma briga no refeitório do hospício
mata um na colher
foge
está desaparecido desde a semana passada
seus livros vendem como água
um dia ele volta
e cria uma seita
prega o fim do mundo em 2026
arquiteta um suicídio coletivo
todo mundo morre
menos ele
Seu nome é citado para patrono da 80 feira do livro de acopiara
Mas ele quer a flip
Traduziu bukowski para presidiários
Morou num trailer em diadema
foi catador de latinha e papelão
e mordido por uma gangue de cães perdigueiros
Contrai glaucoma
se jogou na frente de um caminhão na BR mas não morreu
manca até hoje
RODRIGO RAYMUNDO
A Ana é um doce de pessoa pessoalmente!!! amo essa menina, tem um senso de humor refinado e uma sinceridade assustadora!! (me perdoem pelo texto em caixa alta, meu lap deve ter dado bug, so escreve em MAIÚSCULA)
Mauro Donizete Martins
O mundo é pequeno
O poema nunca acaba
Viva Ana Farrah Baunilha…