Seis poemas de Fabrício Tavares
Fabrício Tavares (Pelotas-RS, 1975) é formado em filosofia e tem mestrado em educação pela UFPEL. Foi professor na UFPEL, FURG, Faculdade Cásper Líbero e no CLIPE Ensaio 2018 (Curso Livre de Preparação do Escritor) na Casa das Rosas – Espaço Haroldo de Campos de Poesia e Literatura. É doutorando em filosofia na PUC-SP com pesquisa sobre o papel da escrita no pensamento de Michel Foucault.
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Água Branca
Estranha atmosfera na feira
produtos e produtores escasseiam
A mão invisível não acalma
a crise que atinge o nosso cercado
Também as pombas vagueiam nas mesas do café
e dão estranhos rasantes nas nossas cabeças
como prenúncio de tempos sombrios
ou de faísca espreitando algum pavio distraído
Abelhas sobrevoam o açúcar esquecido
crianças se divertem com os patos assustados
em volta, aos meus pés
um deles tenta se esconder
Os galos cantam no início da tarde
um deles canta em meus ouvidos
como se o dia não tivesse amanhecido hoje
um uivo dissonante
e melancólico
*
Mundo em quarentena,
mundo minúsculo
da livre iniciativa:
que diria o inseto
que habita os olhos da Terra,
Mundo em quarentena?
*
Nunca dantes
na história pátria
a morte
para ministério
nomeada
morte
para presidente
morto
vivo
vivo
morto
ou assombração
nomeara morte
para…
Nunca dantes
na história pátria
vista ou sabida
convocara-se
a descabida morte
a combater
ela própria
Nunca dantes
para presidente
morto
vivo
vivo
morto
ou assombração
nada
como nada
ainda menos
Nunca dantes
na história
pátria
nunca mais
*
Ritornelo
Leio em qualquer jornal
na página de ficções policiais
que um jovem negro
de não sei qual periferia
é morto com um tiro na cabeça
morto com um tiro na cabeça
por um policial militar
em frente aos pais
no dia em que completara
19 anos
no dia em que completara
19 anos
no dia em que completara
19 anos
no dia em que completara
19 anos
no dia em que completara
19 anos
no dia em que completara
19 anos
no dia em que completara
19 anos
Sete vezes morto com um tiro na cabeça
ofertado como política de estado pelo Estado brasileiro.
Na mesma semana
em que descubro o livro Face Imóvel
de Manoel de Barros
e fico encantado com a tristeza do poeta,
em que releio o ensaio Experiência e Pobreza
de Walter Benjamin,
reencontro-me
aparentemente ao acaso
com o Sentimento do Mundo
do Drummond
que era então leitura obrigatória
para o vestibular da FUVEST
*
quem sabe
a gente a falar
murmurasse
o que talvez
tivesse
entredito
se
entre voz e palavra
não houvesse qualquer
dissonância
(quem sabe?)
quem sabe
quem
ao ensaiar o gesto
diante do gesto
(mais vil
ou mais nobre)
pudesse ver
com clareza
uma ferida alheia
talvez
com a qual
perder a língua
fosse
nos olhos
fundos
de um rosto
o grande
fracasso
que resta
*
Pergunta
o que fazer com essa tarde linda lá fora
quando aqui dentro outro planeta arde
fogo cerrado em si mesmo
ensimesmado e sempre por vis janelas
para o horror real concreto
como recorte insuportável do mundo
saturado de imagens cores
gesto sem sujeito ou predicado
multiplicá-lo aos fragmentos parti-lo ao meio ou
decompô-lo em palavras e sentidos vãos
as nossas mãos cansadas não repousam
mauricioodorico@gmail.com
Muito bom, se precisar de algum poema a mais, chama aí pq mesmo q a chama arde não apago tão fácil.