Seis poemas de Juba Maria
Juba Maria é jornalista formada pela UFRJ, mãe e poeta. Trabalha como Assessora de Comunicação da Infraero. É uma das coordenadoras do projeto AMAi e dá palestras sobre Comunicação Não-Violenta. Talvez eu tenha morrido (Feminas, 2019) é seu primeiro livro, com poemas baseados em fatos reais. Mais precisamente, na vida de Inés Maria Rosas, que também é a vida de Juba Maria e de muitas outras mulheres anônimas que sofrem com abuso e violência doméstica. Os poemas são assinados pela espanhola Inés, personagem por meio da qual a autora, Juba Maria, busca alinhavar – e ressignificar – as experiências vividas por tantas mulheres que nunca tiveram suas histórias contadas.
O livro apresenta o que seriam os poemas perdidos de Inés, filha de uma bailarina de flamenco e um empresário, que emigrou para o Brasil aos 16 anos para se casar com um amigo do pai, Mário Jorge Rosas, um homem que se revelaria cruel e violento. Os poemas de Inés teriam sido encontrados pela tradutora da obra em uma feira de antiguidades. Por meio de Inés, Juba Maria revela a dor que há por trás de coisas que as mulheres vivem e tentam esquecer. Oscila entre o sentimento de conformismo e o desejo por liberdade, recorda o passado e reflete sobre a própria existência. Os poemas estão organizados em quatro capítulos (que representam diferentes passos do flamenco): ““Los mirabrás”, “Los tientos”, “Los polos” e “Las carceleiras”. Em uma nota da tradutora, apresenta ao leitor a trágica história de sua poeta: Inés teria morrido tragicamente aos 26 anos, após uma enchente que devastou o Rio de Janeiro em 1962. A casa onde vivia com o marido no bairro das Laranjeiras desabou enquanto ela, grávida de oito meses, estava trancada no porão. O marido, percebendo o que estava prestes a acontecer, fugiu: pegou a barca sentido Rio-Niterói, deixando pra trás mulher e filho, e ali mesmo, enquanto fazia a travessia, se matou.
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Se os fragmentos se convertem
em chuva de estilhaços
nublando os passos
a bailarina não sabe
pisar na morte
a passos lentos – os mais suaves
Se no homem mora um fraco
dos tropeços nascem os raios.
*
Sempre que o rio do homem
transborda
ela se encosta
na superfície rochosa
Tudo se congela na hora da morte
exceto as lágrimas
Um projétil chamado amor
deixou marcas
*
Enquanto a bailarina
continuar girando
na mesma mão
que lhe encurta os anos
esse poema estranho
rimará carroçável
transitando fácil
de medo & espanto
*
Se ele sente ciúme
todos os dias
e se me detenho
na estranha forma em que me deito
logo não estou mais
tentada a dançar
com a mesma leveza
que faria
se ele não me oferecesse nada
a não ser um carinho
*
Me deram por nome Inés
Por Inés respondo
em obrigação e por respeito
por ter fome e guardar segredos
por ser essa metade dada por morta
por me desejar desperta
por ter cordas em vez de asas
E por tudo isso a que chamam vida
é que por Inés respondo
e por ela morro
*
Não escrevo
ao furor das horas
as passadas
ou as vindouras
nem sobre coisas vagas
do amor
e suas futilidades
Escrevo sem pressa
como quem versa
o perigo:
Esse desassossego
que me corta o silêncio
imersa
no medo em que vivo