Seis poemas de Lia Sena
Lia Sena é uma poeta baiana, tendo publicado quatro livros: Pedaços (1988, Editora Interbahia); Por todo risco (2013); Lume dos anseios (2014, Edições MAC, Coleção Vinho e Poesia) e De foro íntimo (Editora Penalux/2018). Participou de diversas antologias, incluindo a do Mulherio das Letras – poesia (2018) e Conexões marítimas (2018). Em 2017, foi coorganizadora da Antologia outras Carolinas – Mulherio da Bahia, na qual também participou como poeta e revisora. Foi finalista do II Prêmio Sosígenes Costa de Poesia em 2017, ficando com o segundo lugar (Menção Honrosa) e vencedora do mesmo Prêmio em 2018, com o livro Na veia da palavra, que está sendo editado pela Editus (Editora da Uesc) e será lançado em breve. Já publicou em Mallarmargens, Amaité e outras revistas eletrônicas. Publica poemas com frequência, no facebook e instagram.
***
ponderações
quase certo
que a oficina de risos
fechará as portas
às três.
[o expediente será quebrado]
se o senhor das lágrimas insiste
em implantar seu feudo
em arrolar escravos
aliciar as dores
o que fazer
pra se manter imune
dono do seu próprio reino?
Como bater altivo no peito
E gritar bem alto
– sou dono do meu latifúndio?
quase certo
que resistirão os fortes
guardarão os bosques
enfeitarão os lagos com mágicas estrelas.
quase certo que a fúria implacável de monstros
não resistirá aos anjos.
[haverá plena colheita]
e
se não assola a fome, os homens
a festa será plena.
todos os moinhos girando
todas as portas abertas.
até as seis.
*
liturgia
os curandeiros invadiram as cidades.
fugiram da sua selva/templo.
lobos em pele de obreiros
violentam os ritos.
– que saudade do antigo pajé
das soluções plausíveis
longe desses bichos de “toda fé”.
*
não
não quero o estúpido dedo em riste
a desdenhar da minha face.
não quero o palpite.
não quero nenhum limite desenhado.
nenhum quadrado em volta
nenhuma porta a trancar os meus delitos
nenhum atrito
nenhum subterfúgio a me conter.
nenhum cabresto a me controlar.
não morro na praia.
adentro o mar.
*
addextare
é peremptório dizer
que há regras.
não ultrapasse as margens.
não salte linhas.
estude detalhadamente o regulamento.
não escolha.
não morda.
não morra depois das seis.
não chore.
não molhe o assoalho.
não perturbe.
não use o cobertor.
não fale com estranhos.
não fuja dos trilhos.
use gloss.
corte as unhas.
trepe aos sábados.
fume um cigarro.
não saia dos trilhos.
siga o rebanho.
odeie
os que não dizem amém
feche o vidro
do carro.
– isso é um assalto –
passa pra cá tua vida playboy.
*
apetite
se é pra comer a vida
que seja de frente
que seja quente
que não se contente com as beiradas
que seja ousada essa necessidade
que seja a vida
pau pra toda obra
transa de toda hora.
que seja amor.
se é pra comer a vida
que seja sem pudor.
que seja com voracidade
[nunca pela metade]
que seja gula
que seja de verdade
e inteira.
que a vida não é brincadeira.
ela – generosa
se dá.
trate de apanhar com jeito
mas com vontade.
entregue-se
mergulhe
goze
nunca se afogue
no mar de tédio
de quem não sabe se jogar.
*
eleita
insubmissa exclamo
não é tua
a cama em que me deito
mas é todo meu
esse teu corpo lírico
em que transgrido
e me deleito.
ivy MENON
Poemas que nos obriga a OLHar a vida, com sangue nos olhos… “SEM Perder a ternura, jamais “. Amei
Irene Giglio
Lindíssimos!! São ternos e doces, EMBRIAGAdores, convidativos à reflexão!
Neuza De Brito Carneiro
Os versos de Lia Sena são intensos e cheios de sensibilidade femininamente feminina.