Seis poemas de Matheus Arcaro
Matheus Arcaro é mestrando em filosofia contemporânea pela Unicamp. Pós-graduado em História da Arte. Graduado em Filosofia e também em Comunicação Social. É professor, artista plástico, palestrante e escritor, autor do romance O lado imóvel do tempo (Ed. Patuá, 2016) e dos livros de contos Violeta velha e outras flores (Ed. Patuá, 2014) e Amortalha (Ed. Patuá, 2017). Também colabora com artigos para vários portais e revistas.
***
Um animal peçonhento
fez um ninho
no meu peito.
Nasceu de uma mulher
e se alimenta
dos farelos da minha esperança.
O bicho mastiga minha alma
e cada mordida é como se
um punho se abrisse
dentro da garganta,
unhas compridas.
O animal inquilino
está dormindo agora.
De barriga cheia
ele me deixa escrever.
*
As lágrimas secam-me por dentro.
Não uma secura sertanezina
com as trincas da alma à mostra.
É uma secura que
cega as foices do ódio
e do remorso.
Uma secura que
lava as ausências
feito feridas.
Uma secura que
exorciza as súplicas.
Uma secura fértil:
o orgasmo dos olhos
como sêmen
do momento seguinte.
*
Distância
A distância,
a andar de andor
por dentro dele,
fincou-se feito dardo
na carne.
Saudade exposta,
posta em edema.
E deus algum
pôde dissipar
aquela doença,
aquele sismo,
aquela dor
desembainhada.
*
Análise poética
Na visita ao analista,
a poesia reclamou dos amantes,
do arco-íris,
das íris coloridas,
dos céus estrelados,
dos lados luminosos,
dos postais, pontes e poentes.
À mostra com os dentes,
estava decidida a lançar um olhar
alijado de pedestais, flores e frases feitas.
Agora, quer rastejar pela lama,
trocar a dama pela puta. O amor pela secreção.
– Mais genitália e menos coração, senhores!
Pretende enfiar o sol no bueiro,
arrancar os testículos do absoluto
e esfregar o cu na cara do sossego.
Sim, ela precisa espedaçar a esperança.
E na dança, descalça, rodar pela praça
sem seguir receitas ou procurar clemências.
Vai, então, poesia!
Crava a língua na carne crua do presente.
Sobe a saia, goza com o sublime
e arremessa a eternidade na sarjeta.
*
Temporais
Há os que estão sentados na esperança,
aguardando o fim de semana,
o mês seguinte,
o ano em que os astros se alinharão.
O alívio dos dias úteis.
Na casa das máquinas ao lado,
há os que mastigam as migalhas
endurecidas de Cronos,
suspirando pela ferrugem dos ponteiros.
Há, por fim,
os que intuem o instante.
Os que dançam
sobre a mortalha da eternidade.
Há os que vivem.
*
É insuportável
não sentir
a dor do mundo.
A incompletude
inunda a vida
de tal modo
que o pasmo
esconde o rosto
sob o silêncio do instante.
A fresta de cada frase
o hiato do amor
o vácuo do olhar
engolido a seco.
Todos os sentimentos
acumulados na curva da alma:
lama tóxica que enrijece
a dança do tempo.