Seis poemas de Virgilio Malgade
Virgilio Malgade é poeta, professor e pesquisador, mestre em Metrologia e Qualidade pelo INMETRO. Publicou Estado de Poesia (2018) e A Maria que não vai com as outras (2020). Escreve no Instagram @virgilioescritor e possui um Podcast diário de poesia: Poesia pra Viagem. Blog www.virgiliomagalde.com.br / e-mail: magalde@gmail.com
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PALAVRA
Palavra é o desenho de amor
que sobreviveu ao tempo.
Envelhecendo com a humanidade,
conserva seu lado infantil.
Pregando peças.
Fazendo truques com todos.
Nos trazendo a verdade,
como um espelho embrulhado
que ao rasgarmos sua capa formal
nos mostra uma imagem inédita e real.
Palavra que sei busca par
com o que não usei.
Me fala de pessoas que não sou
mas que reconheço em mim.
Me conta histórias que não vivi
fazendo pensar que esqueci.
Palavra que não sei,
me abre um portal.
Me serve de escada ao céu
e quando percebo
estou morto – por ela
sangrando textos e mais textos.
As palavras que não uso
são as mais perigosas.
O silêncio tem força nuclear.
A palavra certa é bomba relógio
a ser desarmada
e a qualquer momento
o ponto final pode ser fatal.
(uma conclusão disso tiro)
Não falo palavras.
Minha boca é que apenas
abre por memória sobrenatural.
Não escrevo palavras.
Minha mão é que sofre
– a coitada –
de miniconvulções poéticas
*
A RODA DA POESIA
Minha poesia é carpintaria
Com um toco de palavras
faço versos artesanais
experimentações do que já existe
e adivinhações do que há dentro de mim:
cadeira, porta, escada, casa
pinocchios, pássaros e universos
Com a cadeira de balanço crio o passado
No lápis o meu presente
Com a roda, o futuro
e assim crio artefatos
para narrar um mundo
todo a todo mundo.
*
VERSÃO
Certa noite, dessas que não damos nada.
Acordei com enjoo das marés
A boca estava com gosto de terra salgada
Queria urinar. Me mover era impossível
Minha barriga pesava uma alma
Eu, homem, sentia cólicas
de contorcer os pés
A camisa testava a sensibilidade de meu peito
Um chute
Mais um chute
Outro chute
Descobri que todo o stress e ansiedade
Era a minha gravidez.
Já faz tempo que tomei o rumo de meu barco
Asfaltei meus buracos
Quitei o psicólogo
Reescrevi o prólogo
Foi então, olhando para meu umbigo percebi
Uma outra criatura mais leve
Estava gravido da mais nova versão de mim.
*
JORNADA D’ÁGUA
A água desenha nas pedras
o seu caminho
Sua flexibilidade
perante toda a dureza da rocha
a torna fluída
Ela passa
e toda mudança
Jornada
Destino
Vida
se movimenta
Ela leva seu corpo líquido
e ao mesmo tempo deixa
sua memória
A pedra continua
Rígida
Dura
Monótona
Estática
mas não é mais a mesma
Ela se tornou parte do caminho
A água muda tudo
e sua persistência
Vai além de qualquer resistência
Ela faz seu caminho.
*
TELA EM BRANCO DA VIDA
Numa tela em branco,
usei tinta preta e cinza.
Me senti livre de tudo dentro,
mas aquele quadro triste, joguei ao vento.
Peguei outra tela,
usei vermelho e laranja.
Permiti ter só emoção,
mas aquele quadro quente, pintei em vão.
Arrumei mais uma tela,
usei apenas branco.
Com medo fiz tudo para não marcar,
mas naquele quadro vazio, eu não tava lá
Por último, uma nova tela:
usei o azul do meu céu,
verde de minhas folhas,
marrom da minha terra,
amarelo do meu sol
e todas as cores que me cabiam.
Eu descobri, por volta dos trinta,
que a vida é da cor que a gente pinta.
*
O INÍCIO DE TUDO
Toda mulher é um rio
Por isso precisamos tão urgente
Do feminino
Da flexibilidade
De seguir em frente
Contornando adversidades
Pequenos riachos em tempestades
Movem rígidas pedras e barreiras
Nada segura uma mulher
Que aprendeu de séculos em séculos
A ser de tudo
E se moldou a ser sua (amor-próprio)
Nada segura uma mulher
Mulher é ecossistema
Toda mulher é o inicio de um mundo.