Ser mulher precisa ter coragem – Por Aline Wendpap
Na coluna mensal “Sonora”, Aline Wendpap escreve sobre cinema e audiovisual, dedicando-se principalmente a tessitura de textos críticos, com ênfase na produção mato-grossense, nacional ou ainda latino-americana. O título da coluna visa brincar com a palavra, que tanto é ruído, quanto pode ser uma conversa ou um som bacana. Não deixa de ser uma homenagem ao som, característica vigorosa do cinema, além de se parecer foneticamente com Serena, nome de sua bebê.
Aline Wendpap é cuiabana “de tchapa e cruz”, nascida em 1983. Primeira Doutora em Estudos de Cultura Contemporânea pelo PPGECCO da UFMT, Mestre em Educação pela mesma Universidade, Bacharel em Comunicação Social – Habilitação: Radialismo (UFMT), integrou o Parágrafo Cerrado, coletivo dedicado a leituras de cenas de espetáculos. É autora do livro A Televisão sob olhar das crianças cuiabanas (2008, EdUFMT).
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Pi’õ Rómnha Ma’ubumrõi’wa – Mulheres Xavante Coletoras de Sementes, (Danielle Bertolini. MT, 2020, 13′)
Como estamos iniciando março, mês de comemoração do dia das mulheres, e eu venho me aproximando cada vez mais do universo indígena, agora pela minha participação no projeto Iakadu (vejam mais informações em @iakadu) decidi escrever este texto sobre o documentário Pi’õ Rómnha Ma’ubumrõi’wa – Mulheres Xavante Coletoras de Sementes, de Danielle Bertolini (MT, 2020, 13′), sobre o qual já havia tecido algumas poucas linhas em outro texto publicado nesta coluna intitulado “COMENTÁRIOS SOBRE CURTAS PREMIADOS 19ª MAUAL de 2020”, pois o mesmo foi eleito melhor curta de resistência.
Pretendo com este texto fazer minha singela homenagem às mulheres, especialmente àquelas que resistem fazendo, produzindo ou pensando sobre cinema em Mato Grosso, pois como diz uma das entrevistadas no documentário “ser mulher precisa ter coragem”, frase que tomo para título deste texto.
A apresentação do filme é instigante, pois começa com uma tomada aérea da região onde se localiza a aldeia e na qual ela aparece totalmente devastada e faz uma bonita transição para imagens com um pouco mais de verde, usando um redemoinho de vento que baila na terra sagrada dos Xavantes. A dança do redemoinho é embalada pela música original, que faz parte da trilha, também toda original e composta para o filme com interpretação de Estela Ceregatti e assinada conjuntamente por Jhon Stuart.
Fruto de uma realização coletiva entre OPAN, The Nature Conservancy Brasil e das próprias mulheres coletoras de sementes, em parceria com a FUNAI, Manos Unidas e a Redes de Sementes do Xingu, a produção de apenas treze minutos inspira, ao demonstrar esmero em cada detalhe, desde as imagens intercambiantes entre takes originais e imagens de arquivos, que se mesclam para formar a narrativa de fundo que conta a história da aldeia Marãiwatsédé e a saída dos Xavantes do local. Até a forma de apresentação, visto que a fala predominante das mulheres é no idioma Xavante.
Tal narrativa torna ainda mais tocante o trabalho das mulheres coletoras de sementes, foco principal do documentário.
Ver o processo de transformação ocorrido neste local, a partir do trabalho destas mulheres faz com que sigamos esperançosos de que é possível regenerar. Faz pensar que, bastam sementes de bem para que a vida brote, mesmo quando algo parece destruído.
Assim, em tempos tão desoladores, quanto o que vivemos plantemos sementes de bem-viver, de amor, de fé e de esperança. E, creio, são as mulheres as principais coletoras (e depois plantadoras) destas sementes. Coisa que o documentário também mostra quando exibe várias gerações de mulheres catadoras de sementes.