Sete poemas de Aline Martins
Aline Martins, poeta, também escritora de contos e prosa, nasceu em Nova Friburgo, na Região Serrana do Rio de Janeiro, em 1970. Em 1992, mudou-se para a capital carioca, onde cursou a Faculdade de Direito e estabeleceu-se definitivamente.
***
COMUNHÃO
madrugada fria
sinos badalam o silêncio
minha capela tem as portas cerradas
e dentro uma santa
quer pecar comigo
quer sujar o altar
vou comungar com ela
*
CABOCLO BARDO
caboclo bardo
de língua-foice
e o sangue estancado correu
pelo fio do riso
um rio se fez à margem dos olhos, então
e me coagulou assim de pena
numa travessia silenciosa
que o teu mar viu passar
viu o teu riso meu rio derramar
e mesmo bardo
caboclo não quis me salvar
*
CALAFETO
esse buraco no teu olho pr’eu tapar
mas minha estopa não dá
passa um vento frio
soprador que secou o rio
e nenhuma lágrima borda a face
nenhum disfarce
que triste
olho morto agora não me vaza mais
vento que varreu o meu cais
*
HÚMUS
e à terra atar meu corpo quis
em nós de aço
para ser-lhe indistinta
e não parte
mas cabal
e na terra plantar meu corpo quis
em muitos grãos quis
qual feto
para ser-lhe um ser-início
germinal
*
A NIETZSCHE
lágrima tem gosto de sal
eu sei
mas pode ter de sangue
e de morte também
eles contam os meus dias
pelos meus vales
mas eu
pelos meus montes
e lá de cima vejo os que me contam
tão pequenos me contam
tão sedentos me contam
e se atolam no lodo dos meus vales
e se banham na água fedida dos meus vales
mas não saem dali
não querem ir
não sabem que já me elevei
não podem me ver
*
NATUREZA MORTA
o seio nu
exposto
agora peça-mármore em tua sala
não te saliva mais a boca
não te lasciva mais os olhos
e nem te desespera mais o cio
resta a palavra
*
ID
cai água
vai descendo
pelo meu beiral de casa-muda
logo logo sou uma inundação de nadas
vou tombar um pouco
para escorrer o excesso