Sete poemas de Aristóteles España- Revista Mal de Ojo e tradução de Maíra Gonçalves
Ser América Latina é acreditar que, para além de simples territórios e dos idiomas falados, há um povo que conta as suas histórias e resiste dia após dia às instabilidades econômicas/políticas e severos problemas sociais. E nessa resistência, engendra-se uma diversidade literária, que, assim como o povo, luta, se recria, ensina e nos encanta. Do político ao simples versar do cotidiano, aqui se unem e se cruzam as revistas Mal de Ojo e Ruído Manifesto para dar voz ao povo de uma América Latina que ainda precisa gritar por liberdade e fazer de suas paixões trincheira, repercutindo aos quatro cantos do mundo, por intermédio de textos singulares, a beleza e a contundência de seus desejos. Por aqui passarão escritos de poetas da Argentina, Bolívia, Chile, Colômbia e Peru
Uma curadoria de Hérnan Contreras R. e tradução de Maíra Gonçalves.
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Poemas do Dawson (1973) (Selecionados a partir da Antologia da obra poética de Aristóteles Espanha, obra conjunta da Fundação Aristóteles Espanha fundacionpoetaaristotelesespana.com e Editoria “Conunhueno”)
Momentos
A vida em Dawson Island é cinza,
como o barulho de metralhadoras
ou tic tac tic tac tac
da morte que é ouvido violentamente
no recinto.
Um som infernal
que penetra na alma,
como um gás venenoso cheio de bolhas
que saem das mandíbulas do Tirano
Momentos
La vida en Isla Dawson es gris,
como el ruido de las metralletas
o el tic tac tic tac tic tac
de la muerte que se escucha violentamente
en el recinto.
Un sonido infernal
que penetra en el alma,
como un gas venenoso lleno de burbujas
que salen de las fauces del Tirano
*
A chuva tem olhos
As horas no exílio
são como túneis destruídos,
espalhados em um planeta
que agoniza dia após dia.
Com frequência olho para cima,
como se procurasse algo.
Um pedaço de pão, uma miragem,
uma área que me espera com suas asas abertas.
Caem coisas escuras,
se abrem superfícies, páginas,
no pátio de alarme se ligam velozes
os refletores,
a chuva cai tristemente sobre os telhados
aqui no sul da Pátria
La lluvia tiene ojos
Las horas en el destierro
son como túneles destruidos,
dispersos en un planeta
que agoniza día a día.
Con frecuencia miro hacia lo alto,
como buscando algo.
Un pedazo de pan, un espejismo,
un ámbito que me espera con sus alas abiertas.
Caen cosas oscuras,
se abren superficies, páginas,
en el patio de alarma se encienden veloces
los reflectores,
la lluvia cae tristemente sobre los techos
aquí en el sur de la Patria
*
Engrenagens
Nesta quarta-feira as baterias correram para fora do céu,
Outubro molha sua cauda entre as ondas,
Pablo Neruda está morto.
o tempo se desfaz nos beliches,
certamente continuam os tiroteios,
no dia depois de amanhã eu faço 18 anos
A América é um turbilhão,
os Yankees voltarão,
nos mantêm em constante incerteza,
somos frequentemente visitados por um padre,
ontem à noite sonhei que dançava um tango na escuridão,
Como será o rosto dos torturadores?
As lâmpadas dos quartéis estão acesas,
estamos deitados,
as luzes se apagam,
alegria e liberdade,
devem ser como duas garotas bonitas.
Engranajes
Este miércoles se le agotaron las pilas al firmamento,
octubre moja su cola entre las olas,
Pablo Neruda ha muerto,
el tiempo se deshace en las literas,
seguramente continúan los fusilamientos,
pasado mañana cumplo dieciocho años
América es un torbellino,
volverán los yanquis,
nos mantienen en una constante incertidumbre,
frecuentemente nos visita un sacerdote,
anoche soñé que bailaba un tango en la penumbra,
Como será el rostro de los torturadores?
Las ampolletas de la barraca están encendidas,
estamos acostados,
se apagan las luces,
la alegría y la libertad,
deben ser como dos muchachas bonitas.
*
Além da tortura
Fora do espaço e da matéria,
em uma região arrogante (sem matizes ou cores)
cheia de uma fumaça horizontal
que atravessa pântanos invisíveis,
Eu permanecia sentado
Como um condenado à câmara de gás.
Descubro que o medo é uma criança desesperada,
que a vida é um grande quarto
ou uma doca vazia no meio do oceano.
Há tiros,
ruídos de máquina de escrever,
me aplicam corrente elétrica no corpo.
Sou um estranho passageiro em viagem para o desconhecido,
queimam minhas unhas e os poros, os bondes,
no quarto ao lado batem em uma mulher grávida,
as flores do amor e da justiça crescerão mais tarde
sobre as cinzas de todas as ditaduras da terra.
Más allá de la tortura
Fuera del espacio y la materia,
en una región altiva (sin matices ni colores)
llena de un humo horizontal
que atraviesa pantanos invisibles,
permanezco sentado
como un condenado a la cámara de gas.
Descubro que el temor es un niño desesperado,
que la vida es una gran habitación
o un muelle vacío en medio del océano.
Hay disparos,
ruidos de máquina de escribir,
me aplican corriente eléctrica en el cuerpo.
Soy un extraño pasajero en viaje a lo desconocido,
arden mis uñas y los poros, los tranvías,
en la sala contigua golpean a una mujer embarazada,
las flores del amor y la justicia crecerán más adelante
sobre las cenizas de todas las dictaduras de la tierra.
O curativo
O curativo é um pedaço de escuridão
que oprime,
um raio negro que atinge a escuridão,
os gemidos íntimos da mente,
penetram como uma agulha enlouquecida
o curativo,
nas duras estações da raiva
e o medo,
ferindo, desconsertando,
se expandem as imagens,
os ruídos são sinos
que tocam estrondosamente,
o curativo,
é uma parede coberta de espelhos e musgos,
um quarto desabitado,
uma escadaria cheia de incógnitas,
o curativo,
cria uma atmosfera fantasmagórica,
ajuda a entrar rapidamente
para os corredores de furacões
de meditação e pânico.
La venda
La venda es un trozo de oscuridad
que oprime,
un rayo negro que golpea las tinieblas,
los íntimos gemidos de la mente,
penetra como una aguja enloquecida
la venda,
en las duras estaciones de la ira
y el miedo,
hiriendo, desconcertando,
se agrandan las imágenes,
los ruidos son campanas
que repican estruendosamente,
la venda,
es un muro cubierto de espejos y musgos,
un cuarto deshabitado,
una escalera llena de incógnitas,
la venda,
crea una atmósfera fantasmal,
ayuda a ingresar raudamente
a los pasillos huracanados
de la meditación y el pánico.
*
Camaradas
Camaradas, temos que procurar uma razão.
mais poderoso que o partido,
um canal, uma ilhota, uma pequena corrente de neve
que sirva pelo menos como um ponto de partida
e começar a caminhar até o reencontro,
que será uma casa – imagino que espaçosa,
como os pátios da minha cidade natal,
cheio de janelas grandes
para que o ar entre livremente
e escutemos as árvores do pensamento;
esse dia que -penso- não está longe,
vai chegar como um potro selvagem e poleiro
sobre as coxas nuas de nossos reflexos.
Compañeros
Compañeros, tenemos que buscar una razón
más poderosa que el partido,
un cauce, un islote, un diminuto ventisquero
que sirva al menos como punto de inicio
y empezar a caminar hacia el reencuentro,
que será una casa – me imagino-amplia,
como los patios de mi pueblo natal,
lleno de grandes ventanales
para que entre libremente el aire
y escuchemos a los arboles del pensamiento;
ese día que -pienso- no está lejano,
llegará como un potro salvaje y se posará
sobre los muslos desnudos de nuestras reflexiones.
*
Uma espécie de canção
Aprendi a amar entre bares
cercado de segredos, ameaças,
a conhecer os metais do desprezo,
o valor da unidade e a palavra,
a sentir,
para ser corajoso quando me torturam,
contemplar como as sementes crescem
nas gaiolas.
Aprendi a distinguir os cânticos
de ódio,
nascer, andar na névoa,
e crescer,
e ouvir risos que evocam garras,
caretas, os passos do carrasco,
o tremor agitado de minhas veias.
Eu aprendi a ver no topo
transparente do ser humano,
o brilho gelado da ternura,
a outra dimensão da esperança
Una especie de canto
He aprendido a amar entre barrotes
rodeado de secretos, amenazas,
a conocer los metales del desprecio,
el valor de la unidad y la palabra,
a sentir,
a ser valiente cuando me torturan,
contemplar cómo crecen las semillas
en las jaulas.
He aprendido a distinguir los cánticos
del odio,
nacer, caminar en la bruma,
y crecer,
y escuchar risas que evocan garras,
muecas, los pasos del verdugo,
el temblor bullicioso de mis venas.
He aprendido a ver en las cimas
transparentes de lo humano,
el helado resplandor de la ternura,
la otra dimensión de la esperanza
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Aristóteles Espanha
Nascida em Castro, Chiloé, Aristóteles Espanha é formada em direitos humanos pelo Instituto Argentino dos Direitos do Homem, e estuda em comunicação e roteiro cinematográfico. Publicou, entre outros livros, Incêndio no silêncio (1978), Equilíbrios e falta de comunicação (1980), Dawson (1985), Contra a corrente (1989), O sul da memória (1992), Poesia chilena: a geração NN (Antologia, 1993), As aves do pós-guerra (1995), Tardes estrangeiras e outros poemas (1998) e Matéria de eliminação (1998). Em 1983 ganhou o Prêmio Gabriela Mistral da Prefeitura de Santiago; em 1985, o prêmio especial Rubén Darío pelo livro Dawson, do Ministério da Cultura de Nicarágua e em 1998, o Prêmio Alerce da Sociedade de Escritores do Chile e o Conselho Nacional do Livro em Matéria de eliminação. Atua na Fundação Educacional de Chuquicamata, no Departamento de Extensão e Comunicações e dirige oficinas de literatura na Universidade Arturo Prat. Aristóteles Espanha foi talvez o prisioneiro político mais jovem da Ilha Dawson.