Sete poemas de Dinha
Maria Nilda de Carvalho Mota, a Dinha, nasceu em dezembro de 1978, na cidade de Milagres (CE). Mudou-se para São Paulo no ano seguinte, com o pai, a mãe e sete irmãos. Em 1999, participou da fundação da Posse Poder Revolução – um grupo de pessoas jovens e adultas que administrou o Espaço Cultural Maloca. É doutora em Estudos Comparados de Literaturas de Língua Portuguesa pela USP e pós-doutoranda em Literatura e Sociedade no Instituto de Estudos Brasileiros (IEB-USP).
Dinha é autora de De Passagem Mas Não a Passeio, Das Contradições do Capitalismo Ou: Metralhadora de Chocolate (em coautoria com Eduardo Edu), Onde escondemos o ouro, Zero a Zero: 15 Poemas Contra o Genocídio da População Negra, Maria Zé do Povo dos Santos e Gado Cortado em Milprantos. É também organizadora, em parceria com Raffaella Fernandez, de Onde Estaes Felicidade?, reunião de textos originais e manuscritos de Carolina Maria de Jesus e mais sete ensaios sobre sua obra.
A escritora é uma das fundadoras do Me Parió Revolução, selo editorial da Rede Poder e Revolução, que promove e incentiva a literatura negra, feminina e independente.
***
Aprendizes
Matar leões e engolir sapos-bois.
Se frustrar e aprender
frustrando-se.
Ao menos sabemos
não estamos a sós nessa encrenca.
Acrobatas do cotidiano.
Malabaristas nas horas vagas.
Trabalhadores e trabalhadoras.
Ainda de quebra
tiramos o leite da pedra
rolamos no globo da morte
e humildemente buscamos
o sentido verdadeiro das coisas.
*
Contratado
Ganhava vinte conto o dia.
O sol no globo
A chuva na moringa.
Dava pro café.
Dava pra Coxinha.
Leite-moça, pão, farinha.
Daria pra motocicleta
Um dia.
Avozinha na janela
Cuidava da sua vida.
Ganhava 70 reais
O dia de faxina.
E a gente sonhava em ser
entregador de pizza.
*
Amor
teça
sua teia
e amorteça
a morte.
*
Borboletas
A trupe
Vinha voando
Meninos molambos
No fim da manifestação
Menina
Ela vinha no centro
Bandeira em punho
Botavam terror
Eram cômicos
Quixotes moinhando sonhos
Roendo os encantos
Possíveis de haver
(e o incrível Centro Histórico
Da cidade que não para
Parou para ver)
Morrer, só se morre uma vez?
*
Um poema como ela merece
Lindalva Preta
Espera um pouco
Que eu fabrico o teu poema
Juntando esses vasos de lua
Esse cheiro de chuva
E muita cerveja
Espera mais um pouco
Um pouquinho só
Que acrescento:
Cantigas do sono
Yansã e teus santos
pitadas de fúria
e de amor
que é para abençoar a tua casa
florir tua alma
abrir estradas
e fortalecer o amor
*
Aos montes
O diabo disse à moça
te dou todas essas luzes
tudo o que teu olho toca
caberá em tuas mãos
A moça fechou os olhos,
dobrou sua alma pequena
três vezes
e guardou no sutiã.
Foi cuidar de suas crias.
*
Admirável novo engano
Vai que um dia a gente acorda
e o morto não nos olha
da porta as crianças soltam
bolhas de sabão.
Entretanto, estranhamente,
o nosso malote não volta
o pássaro estúpido
lhe emprenha de asas sem ouro.
Aristides é outro.
E os tantos meninos guardados
tão bem que já nem avançam em idade
multiplicam-se também…
Enquanto isso
guardamos em pixels
poucos, que é pra economizar espaço
os momentos guardáveis
em gigabytes
visíveis apenas em tela menor
um mundo inteirinho se abre
na palma da sua mão.
(Essa nova alma android
e a nossa visão toda pocket
não fazem revolução).