Sete poemas de Du Oliveira
Du Oliveira é poeta amador, canhoto, formado em História, mas nunca exerceu a profissão. Natural de Barra Mansa/RJ, em 2017 foi diplomado Poeta da Biblioteca Pública Municipal Professora Adelaide da Cunha Franco, como premiação do I Concurso Literário Barra Mansa – POESIA, com o poema Curvilínea. No mesmo ano os poemas Labirinto e Ponto Negro foram selecionados para fazerem parte da XIX Antologia Poética Vozes de Aço. Foi membro da comissão avaliadora do II Concurso Literário Barra Mansa – POESIA, em 2018. Em 2016 criou a página Poesia de 2egunda, no Instagram, onde compartilha seus poemas autorais e 99 deles estão no livro Poemas Escritos num Caderno de Capa Dura (Editora Multifoco), lançado em 2019.
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1.
eu poderia ser uma peça num jogo de xadrez
poderia ser uma taça de xerez
poderia ser alguma coisa
ou ser coisa nenhuma.
eu poderia ser um poema repetido
as mesmas palavras num diferente ritmo
poderia ser aquele passo de dança
ou novamente ser aquela criança.
eu seria aquela gota de chuva
seria uma fase da lua
seria o barco que navega
e não o marinheiro.
seria a chama da vela
o cigarro que queima
e não o cinzeiro.
eu seria uma nave espacial
eu poderia ser especial
ou seria algo que ainda não conheço.
seria mais do que um reflexo no espelho
as asas de um passarinho
ou a nascente de um rio.
seria a primeira palavra do verso
a essência do incenso
e no fim seria mais do mesmo
desde o começo.
*
2.
as suas cinzas foram jogadas no mar
não anteviu o momento de sua morte
reviveu os momentos em que se permitiu amar
relembrou os dias em que foi fraco e que foi forte.
fez um recorte das fotografias que guardou
releu velhas cartas há muito esquecidas
ligou para aqueles os quais se distanciou
e perdeu o tempo da despedida.
fez ser eterno para si aqueles segundos
fez da sua vida um samba enredo
cantou nos quatro cantos do mundo
sem concorrer foi eleito.
andou descalço pelo asfalto quente
acreditou em contos de terror
já foi um sujeito inocente
que acreditava em histórias de amor
nunca recuperou o tempo perdido
aprendeu pouco sobre si mesmo
acreditou viver num hospício
mas esse era o seu segredo.
viveu preso acreditando na liberdade
continuou sonhando quando diziam para acordar
não diferenciava fantasia de realidade
é uma questão de ponto de vista, costumava falar.
as suas cinzas foram jogadas no mar
havia passado o momento de sua morte
não havia mais o que considerar
e o que restou flutua com o vento do norte.
*
3.
o pranto do poeta se repete
e subverte sua visão sobre o amor
criando versos incoerentes
como a causa que dá para a sua dor.
o pranto do poeta é latente
para aquele que acredita ser poeta
mas continua sendo um indigente
que sabe sobre si menos do que aparenta.
o pranto do poeta é sereno
mesmo que pareça tempestade
são os dias nublados dos seus sentimentos
é na terra molhada o cheiro da verdade.
o pranto do poeta é como outro qualquer
às vezes se veste com pomposa sonoridade
e o poeta não sabe bem o que quer:
sofrer por amor ou celebrar a felicidade?
o pranto do poeta não é só lamento
já foi contentamento diante da conquista
já foi a lágrima que manchou a folha de caderno
já foi o sorriso da paixão à primeira vista.
o pranto do poeta é poesia
são versos, rimas, algumas cantigas
a letra e a melodia em sincronia
a palavra falada, a cantada e a escrita.
o pranto do poeta deixa de ser somente dele
quando vira poesia ou coisa parecida.
*
4.
não era para ser um sofrimento
nem o entorpecente diário
era para ser a realização de um sonho
não a ansiedade que me mantém acordado.
era para ser a sombra e água fresca
era para ser o descanso, a recompensa
era para ser a simples soma e o simples resultado
era para ser um tipo de amor consubstanciado.
era para ser a tese, a antítese e a síntese
era para ser a manifestação de conceitos esquecidos
era para ser a cura da minha vertigem
era para ser um sem-número de versos que não cabem num livro.
não era para ser apenas um lamento
e nem mais do que poderia ser
o que seria eu já nem sei no momento
e se soubesse, provavelmente, eu iria esquecer.
*
5.
todo o meu ser é perecível
inclusive os meus pensamentos
e se eu não der vida a eles agora
estarão perdidos para todo o sempre quando eu me for.
quando eu me for não haverá aviso prévio,
penso.
penso também nas estações,
nos feriados,
nos finais de semana não aproveitados,
nas manhãs de domingo que passei dormindo.
antes de qualquer coisa acontecer
já sinto saudades da família,
dos amigos,
dos amores imaginários,
das decepções (des)necessárias
do aprendizado,
dos sabores experimentados,
do vinho seco no cálice solitário,
daquele abraço,
do beijo doce dos seus lábios.
já sinto saudades
daquele banho de chuva,
do vento frio no rosto,
do gosto e do desgosto
daquilo que é mundano,
ordinário.
no meu diário
pequenos versos esquecidos
dão o ritmo
para os passos de dança
que ensaio no meu quarto.
*
6.
há mais do que se vê e
de olhos abertos nada enxerga.
no peito ferida aberta
onde ainda bate
mesmo que fraco
um coração de poeta
que quase se entrega
se deixar a maré leva ou
a sete palmos se enterra.
por dentro chora
por fora festeja
alimenta a incerteza
vive sem pressa
mesmo sabendo que
a vida corre ligeira.
sabe que para o amor
não há dia e nem hora.
sabe que, às vezes,
a felicidade se apavora.
são visitas que chegam
sem aviso prévio,
mas que em algum momento
vão embora.
*
7.
meu velho sapato parece cansado
cansado de tentar me dar conforto
cansado de estar comigo o dia todo
cansado do sol quente e da chuva fria
cansado das noites de falsa boemia
cansado do peso de minha agonia
cansado do contato com o asfalto
cansado dos caminhos que faço
cansado dos nós nos cadarços
cansado dos tropeços que eu dou
cansado do que eu fui e do que sou
cansado das músicas que finjo dançar
cansado da vida, de ser e de estar
cansado de amar, de sofrer, de sonhar
cansado do poeta e de sua poesia.