Sete poemas de Fernanda Bienhachewski
Fernanda Bienhachewski pertence a uma família de escritores e desde criança esteve ligada às artes e à literatura. Desenha desde os quatro anos de idade e começou a escrever poesia na pré-adolescência. É graduada em Ciências Sociais pela PUC-SP e possui especialização em Gestão Cultural pelo SENAC São Paulo. Durante sete anos Fernanda trabalhou no ramo da arte-educação em museus e instituições culturais. Atualmente é produtora cultural e se dedica às artes visuais. Desenvolve trabalhos em diversas técnicas com especial enfoque no nanquim e aquarela. Suas temáticas envolvem o universo feminino, cotidiano, relacionamentos e questões existenciais. É autora do livro Na órbita das espirais, que será lançado pela Editora Laranja Original no segundo semestre de 2020.
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GULA
Há um ser que me habita
Um travesso devorador de encontros
Que se alimenta de urgências
E abocanha instantes
Há essa gula pelo tempo
Essa vontade de amanhã
Que não cessa, nem dá descanso
Há essa juventude que embriaga
Essa loucura enviesada
Esse delírio calado do olhar distante
Há esse sentimento bruto de posse
De controlar a alvorada
De domar o inexplicável
Há essa vontade súbita de relatar inquietudes
Essa insuficiência perante a realidade
Essa visceral necessidade
De se expor em palavras
Há um ser que me habita
Um arteiro dos versos
Que entrega a própria existência
A essa vida de poeta
*
DELÍRIOS
Seduzem-me as madrugadas
Pois são nelas que sussurro tua chegada
Com esperança, penso que não demoras
Apenas pegaste um trajeto mais longo
No qual florescem Ipês e Amoreiras
Já separei aquele vestido
E me arrumei como se pudesse florir também
Já te disse que sou vaidosa
Não hesitarei e entregar-te-ei
A minha vida
Embora não saiba teu endereço
Mas confirmo o encontro
Está marcado, não venhas com mais desculpas
Naquele cruzamento entre o devaneio e a incerteza
Me aguardas
Não sei se te reconhecerei
Não conheço tua face
Mas penso em tuas mãos
Deslizando sobre minhas certezas
Acariciando meus apelos
E assim
Já me esqueço do vestido
Me dispo em ti
Não sei tua história
Nem quantos amores tiveste no passado
Sei que a tua chegada é doce
E lambuzo-me em teus frutos
Me presenteias com sentimentos imutáveis
Com um amor que permanece
Emaranhado em mim
Retribuo com um sorriso
Já te disse que demoraste?
Fiquei ansiosa
E até pensei
Que tu existias
*
LUZ VERMELHA
Meu coração é um prostíbulo aberto
Noite e dia
Diante da vermelha luz incandescente
Meu coração é um turbilhão
Acima do mar revolto
Dentro de meus sentimentos
Perco o fôlego
O rumo
E apesar da aparente serenidade
Do meu rosto
Posso lhe afirmar
Que meu corpo é puro êxtase de vida
E meus poros transpiram intensidade
Cá dentro de mim
O amor é uma condição e uma dança
Meu peito é um longínquo labirinto
Dentro dele consigo sentir todos meus amores perdidos
Em lacunas e planícies
Às vezes distantes de onde me encontraram
Minha ânsia de amar é egoísta
Tenho vontade de alcançar o impossível
Me entrego devagar aos inquilinos
Recito poemas e com meu olhar doce
Devoro-os
Cuspindo-lhes o sangue
Ainda quente
*
NA ÓRBITA DAS ESPIRAIS
Transitas em meu pensamento
Como esfera cósmica
Às vezes de forma serena
Outras em total colisão planetária
Me invades e castigas
Me levas a breve loucura
Em desespero sem tua presença
Tento em vão reviver o teu cheiro
Teu gosto
Mas tudo não passa de projeção astral
Na órbita das espirais
Me entrego ao labirinto de minhas memórias
*
CÓSMICO
Vem brilhar comigo
Pois bem acima de nossos umbigos
Há um universo e um cosmos
Há um mar de possibilidades
E centenas de versos
Vem
Mas vem com coragem
Não fiquemos mais à margem
Vamos domar cometas
Encarar nossas silhuetas
Esquecer do tempo
Vem deitar mais perto
Vem mas vem intenso
Sem pensar no amanhã
Vamos calar as incertezas
Ser paz na correnteza
Deixar que a alegria nos transforme
Em algo maior que poesia
*
AMORES LÍQUIDOS
A volátil circunstância
Do entusiasmo do novo
Dura pouco menos
Que cinco minutos
E apesar de sua potência
E das promessas de felicidade
O amor é apenas um vendaval
Em uma tarde quente
Passa de repente
Vem subitamente
Se perde no caminho
Dissipando como poeira
E deixa na boca
Um gosto de terra
Permanece a saudade do instante
A vontade de retornar ao encontro primeiro
A angústia da impossibilidade
De quebrar as amarras do tempo
O amor é sempre ausência
É a sede depois do mergulho
O vazio da incompletude
De quem quer a eternidade
*
DENTRO
Mais uma vez anoitece
E eu imóvel
Permaneço dentro das sombras
Que me habitam
Contemplando toda a escuridão
Inundada pelo silêncio
Do vazio que se espalha
Na imensidão do pensamento
Perdida em sentimentos difusos
De estradas ambíguas
Em possibilidades diversas
De tudo ou coisa nenhuma
À procura de esclarecimento
Da face oposta juramentada
Em meio às brumas de algum lugar
Encontro a iluminação almejada
São vagalumes dourados
Que brotam do céu cinzento
Em nuvens imensas cintilantes
É isso que tenho aqui dentro
Luz e escuridão
Dentro de um ser intenso