Sete poemas de Michaela v. Schmaedel
Michaela v. Schmaedel (1976) é de São Paulo, trabalha como jornalista de cultura há vinte anos, é editora na agência Rima, e atualmente tem se dedicado também à poesia. Os poemas abaixo são de seu primeiro livro, Coração cansado, ainda em finalização.
***
Visão
Te encontrar numa praia
de areia muito branca e mar muito azul.
Pegar os seus dois olhinhos marrons
e colocá-los num vidrinho em cima
das pedras brancas da encosta.
Ficar ali a ver o mar
e a olhar os seus dois olhinhos
e a lembrar que nem tudo o que está posto no mundo
é para se pegar com as mãos.
*
Hospital
Trocar os selos da promoção do supermercado,
escolher o modelo da faca,
chegar em casa e fazer uma sopa de legumes.
Descobrir que a faca corta tão bem
as cenouras como os dedos.
*
Sufoco
“Respirar é aceitar esta falta de ar”
Paul Auster
Respirar é também
admitir que não há
ar suficiente.
*
Lição (I)
Não permitir que o enorme pássaro sem asas
afete o teu espírito criativo.
Ter no bico um estado permanente
de uma felicidade estranha.
*
Contenção de custos
É preciso diminuir de altura quando se envelhece,
para que os familiares consigam um caixão de tamanho padrão
e não tenham a necessidade de pagar um caixão mais caro.
Quando se morre já se dá muitos transtornos aos familiares.
Se a morte puder ter um custo menor, melhor.
*
Auto-retrato
Imaginas que, também aqui, no frio absurdo do museu, acompanhada do barulho excessivo das marteladas do andar debaixo, da minha total descrença no mundo, do meu coração cansado, até aqui, ou melhor, também aqui, estou a ver o auto-retrato de Lucian Freud e, por qualquer semelhança boba (rugas fundas, olhar parado, cara perplexa), estou a pensar em ti. Teriam então que acabar todas as pinturas de homens tristes para acabar também isto: a lembrança de ti em lugares estapafúrdios.
*
Classificados
Bairro nobre
casa boa
desespero quarto e sala.