Sete poemas de Ronald Polito
Ronald Polito (Juiz de Fora, 1961) é poeta e tradutor. Publicou os livros de poemas Solo, Vaga, Objeto, Intervalos, De passagem, Pelo corpo (com Donizete Galvão), Terminal, Ao abrigo e Rinoceronte, e o infanto-juvenil A galinha e outros bichos inteligentes, com poemas visuais de Guto Lacaz. Traduziu escritores catalães como Joan Brossa, Salvat-Papasseit, J. V. Foix, Narcís Comadira, Carles Camps Mundó, Quim Monzó e Maria Mercè-Marçal, e de língua castelhana como José Juan Tablada, Julio Torri, Antonio Machado, Jose Kozer, Luis Cernuda e Roberto Echavarren. Pelo selo Espectro Editorial publicou 60 plaquetes com poesia, tradução e prosa. Nos últimos dez anos passou a trabalhar com artes plásticas realizando a exposição individual Minimundos no Museu de Arte Murilo Mendes (Juiz de Fora, 2019) e na Biblioteca Pública Estadual de Minas Gerais (Belo Horizonte, 2019/2020).
O poema “Decomposição” integra o livro Rinoceronte (2019); “Um deus” integra Ao abrigo (2015); e “Urso polar” integra Terminal (2006).
Os demais poemas (“E além”, “Preparados”, “Purificação” e “Clareira”) são inéditos.
***
Decomposição
O buraco. O circo das contorções. A sombra desprovida de corpo.
O porco do grunhido. Procriar corvos. O hiato. O trincado. O
travado. A luz que se escurece. O estorvo. Protender fossos. O
veneno do antídoto. A fissura. A lacuna. O lodo do fundo. A
pulverização de vírus. A elipse. O eclipse. O retrogresso.
*
Um deus
dê-me um minuto
um cajado
um rosto
rotinas para retinas já
então fustigadas
uma cama um dorso
dê-me uma foice
o último terremoto
um touro
o protonauta de neverland
dê-me um sopro
*
Urso polar
Floco inconsútil entre cristais.
Âmago do novelo do sono.
Avalanche contida no abraço.
Iceberg.
*
E além
Colocar uma casa aqui.
Uma árvore,
um cão.
Habitá-los.
Continuar pela crina da montanha
com o vento
rumo ao mar.
Seguir, seguir. O cão.
Em frente ao poente
o farol
contra a onda.
Os peixes multiplicados
pela crista.
Mergulhar.
*
Preparados
Luzes, closes,
clusters de línguas,
poses,
explosão de
cores, clones, gozo.
Catarses, catarse.
Após o espetáculo
se conforma a guerra.
*
Purificação
Deixar de fora as
últimas notícias de hoje, de ontem,
de amanhã.
A estrada que aqui se vê
vai em direção a uma curva sempre mais
distante.
A casa, o quarto, estes objetos
por perto por certo
são
estes objetos, o quarto, a casa.
O dia começa quando amanhece
a escuridão.
Entre os dois olhos vai se erguendo
um muro.
A fala não encontra a boca.
Desentender-me.
*
Clareira
Uma primeira imagem que podia se formar indicava uma coordenação desejada entre os tons e as linhas da paisagem com seus movimentos ritmados e em que a luz se espraiava sem pressão alguma sobre os volumes, os limites, os vazios, o reino de um equilíbrio entre os campos de impulso e repouso insinuando a possibilidade de uma superfície habitável, de atmosfera amena, franqueada à concordância entre cada corpo e o vento.
Uma segunda imagem, sem que se possa saber se ocorreu antes ou depois da anterior e se com ela guarda um modo de ligação, apresenta-se como um aglomerado de traços, planos, concentrações, ranhuras, em interpenetração contínua e simultânea com a dissolução das cores, concluindo-se num campo negro, no qual, ainda que pareçam emergir figuras ou formações de um outro negro e refluir para o fundo, a ocorrência é uma extensão nula, o tempo sem fim de calcificação, e que vai dar no pó, impedidos o olho e a imaginação de alcançar qualquer distinção desse escuro.
Depois, e de igual modo não se observando elos possíveis com as figurações anteriores, e dessa maneira também antes, e entre, sem ornamento, a natureza.
15.04.2016