Sete poemas de Thainá Carvalho
Thainá Carvalho é uma escritora e colagista sergipana de 30 anos formada em Comunicação Social. É criadora e editora da Revista Desvario, uma publicação digital sem fins lucrativos voltada à difusão da literatura contemporânea criada por mulheres. Publicou de forma independente o ebook gratuito ‘Síndromes’, de prosa poética, e lançou o livro de poesias ‘As coisas andam meio desalmadas’ (Penalux, 2020). Já publicou em revistas e portais como Revista Aboio, Portal Não Me Kahlo, Toró Editorial, Ruído Manifesto, Alcateia e A Estranhamente. É coorganizadora do Sarauema e idealizadora do projeto sem fins lucrativos ‘Vai que Cola’, voltado à causa animal. Atua como curadora e revisora literária.
***
História de um imigrante perdido na história
Linhas largas
e um tufão
de cores redondas,
o sol a pino
quando a vida ronda,
a tristeza do caminho
concreto passo
pé preto
a sujeira do cansaço,
a falta que faz
o café quente
bem quente
e a risada da gente
junto na calçada,
um tufão de
cores redondas
e rosadas,
as costas vergadas
de carregar o transe
as mãos amassadas
de avistar andaimes
e a cal na calça
de quando sento
à beira das ruas
só,
vendo o vento que passa.
*
Surdez
Sempre o som
esse som
agudo e seco
sussurro
e medo
não sei de onde vem
ou a quem pertence
esse ganido
essa semente
de algum pulmão
ser minúsculo
e coisa ao mesmo tempo
que aparece
quando menos espero
das pétalas das flores
ou das caixas de sapato
esse som
humilde e severo
me persegue
julgando-se
jogando-me
nas paredes
às vezes está em mim
implode os dentes
grita do fígado
em ato contínuo
sempre o som
e vêm os vizinhos
perguntar
que barulho é este
e eu respondo, em lágrimas
-são as faltas
*
Bússola
Pensei te encontrar aqui
nas feridas abertas de uma primavera gasta
sem flores
sem abraços
sem sorrisos de antepasto
aqui onde pensei te encontrar
em meio às feras adormecidas
entre a porta da frente
e o murmúrio do sol
uma tarde entorpecida
whisky à mão e o mar
nos ouvidos
esse encontro não seria romântico
nem lunar,
seria a nudez necessária
ao nascimento do norte.
*
A Hora
É tarde para acordar sem saber da mágica do mundo
sem prever os contornos do carteiro que traz
a última carta de amor do século
e ela diz assim: te sentia infinita em meus braços
Foi isso e vejo que essa matemática era mesmo coisa da paixão
dos momentos rápidos e brilhantes que tocam no disco
mas ninguém presta muita atenção
É tarde para descobrir aquilo que se acaba
para sentir no osso essa saudade ressentida
de damasco e cortes de queijo
É tarde para ver no espelho a dobra íntima do tempo
em que ficamos, esmagados pelo moinho
amor, é tarde para sermos sozinhos
e perpétuos, mas acho que nada mais restou
afogado em nosso desafeto.
*
Universo
Nem tudo está perdido
ouça
quando te dou a mão
em busca de ninho
oferecendo em contrapartida
um repouso lunar
nem tudo está perdido
quando nosso dedos se cruzam
no universo infinito,
somos extraterrestres.
*
Cadeira de balanço
Tinha medo
da sabedoria
da madeira
a emanar
mãos cansadas
do passado.
Tinha medo
da memória
das cantigas
e do calor
de outros corpos
reclinados
na história.
Tinha medo
da voz
da voz
da mãe
da minha mãe.
Sentei-me
um dia
temerosa
sem porquês
esperando defuntos
puxando-me
pelos pés
esperando dramas
de choro
pelos olhos.
Nada aconteceu.
Levantei-me
a mesma
mais sábia.
*
Lápide
O mar
é meu nome
e meu abraço
gaivota
em um sol
que só de ondas
permanece
em um céu
que só de azul
respira.
O mar
é meu nome
e se fará terra
sobre meu corpo
quando morrer.