Ainda sexta-feira de Carnaval
Da primeira vez que Ava foi esnobada, a lembrança acomodou-se como vizinha próxima do malfeitor primeiro sutiã. Passou, em um segundo, de transparente aos dois olhos amendoados dele, para encarnação da raiva, quando o acertou, com todo o vigor de menina, durante a brincadeira de queimada. Na segunda vez, ela sentiu-se como um corpo nu que não encontra roupa alguma em um sonho do qual nunca se acorda. Ainda era uma menina em algum lugar sem muita piedade para um tênis fora do padrão.
De banco vazio no ônibus lotado a alvo do dono dos olhos além da cerca. Percebeu que podia quase tudo o quanto quisesse com pequenas artimanhas. Brincou de chove não molha, de o problema sou eu, de só queria uma transa, de preciso de um tempo, de não sou uma boa escolha. Anos carnavalescos e coleção de sorrisos de amora em balões amarelos.
Mas na última vez que foi esnobada, estava desaprendida a lidar com a ausência do escolhido nos novos alertas. Sedução e silêncio. Estacou na esquina, de baixo de um puta pôr do sol sem fim, rindo apavorada de si mesma. Coração na barriga e a mente ecoando! “- Eu não sou uma boa escolha.” Enquanto a bendita segunda banda do dia arrastava todos esbarrando nela, repetia cinicamente para ela mesma a frase dele, aquela mesma que tantas vezes usara. Queria, e só, derrubar e queimar o maldito menino no chão, mas não como da primeira vez.
Tinha feito todos os charmes para arrancar a recompensa, que parecia, senhor!, boa demais. Feito ioiô em ‘o problema sou eu’, foi mendigando e apostando, na perda que já tinha, e perdendo, pela absoluta necessidade de ganhá-lo. Daquele (quase) amasso no chão, Ava embaralhava a invenção suada, da (quase) língua dela naquela maldita tatuagem, da mão, à unha, (quase) arranhando aquela queimada pele fina.
E perdida no riso desesperado daqueles desejos dos dias últimos, a esquina lotada foi o palco do sopro que o esnobe deixou nos cabelos dela enquanto passava, junto à multidão, todo vestido de branco. Depois de deixá-la com um não, foi sumindo nos minutos lentos em que Ava via o corpo dele balançar, fazendo sombra entre a luz do poste e o entardecer.
Na algazarra da faixa de pedestres, à contragosto, ela teve de desfazer, encoleirada, a vontade. Agitou os cabelos que cheiravam a tragos sem fim, matando, antes de terminar de doer, a tragédia daquela noite que era, ainda, e só, uma sexta-feira de Carnaval.