Somos uma força pânica: sete poemas de Vinícius da Silva
No laboratório do tempo, coluna assinada por Vinícius da Silva, as coisas não são o que realmente são (ou que pensamos ser); os sonhos deixam de ser sonhos e passam a ser partes da vida. Nesta coluna, quinzenalmente, Vinícius escreverá a partir da interface entre artes visuais, filosofia e literatura, buscando realizar isto que o escritor chama de “experimentos” (ora textos ensaísticos, ora poemas longos) sobre tempo, esquecimento, futuro, e outros experimentos possíveis para o laboratório do tempo. Nesses encontros, Vinícius mais suscitará questões do que tentará respondê-las, pois é dessa forma que o pensamento atinge o seu nível ótimo de curiosidade para conhecer e acessar as coisas. No entanto, o laboratório do tempo nos desafia a esquecer de tudo, menos de quem somos ou de nossos simulacros; você aceita o desafio?
Vinícius da Silva. Graduando em Licenciatura em Educação Artística com habilitação em Artes Plásticas na Escola de Belas Artes (EBA) da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ). Desde 2020, da Silva apresenta o Podcast Outro Amanhã, ministra cursos livres sobre o pensamento de bell hooks, Teoria Queer, entre outros temas de pesquisa, e é revisor e atua no setor de Pesquisa Qualitativa da ONG TODXS. Possui experiência e interesse de pesquisa nas seguintes áreas: Filosofia Política, Teoria Queer, Arte Contemporânea, Poéticas Visuais, Teoria Feminista Negra e Artes Plásticas. Site: https://www.viniciuxdasilva.com.br/
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Somos uma força pânica: sete poemas de Vinícius da Silva
terra nossa
começamos com a promessa do fim
nascemos em uma terra condenada
terra de maricas terra de sonhos abertos
e nascemos tudo não gente
merdas sagradas imensas
maiores do que a casa que não temos
maiores do que os sonhos que roubamos
somos maricas e estamos aqui
inventando o caos o fim e o mundo por vir
do que servirão as palavras
se não para criar novas ficções?
*
futuro
para nicole froio
queremos um lar que nos queira
uma família que nos seja
uma casa sobre a qual repousar
um jardim para cuidar
flores para colocarmos sobre a mesa
enquanto confabulamos loucuras e utopias
queremos um espaço para fazer arte
uma caixa de som para dançar à noite
enquanto bebemos cerveja e esquecemos do tempo
queremos uma caneta e papel
para continuar escrevendo
um telefone para ligarmos um para o outro
alguns travesseiros para dormir
uma estante bem grande
para nossos pequenos universos
queremos paz e viver nossa paixão
porque nós nos amamos e temos saudade
do que juntos ainda podemos ser
*
poema de orelha
com um pouco de micheliny verunschk
quantas perdas cabem
em uma vida? dos 8 aos 52,
quanta dor cabe nesta pergunta?
densidade leveza
claridade de vidro
ponta aguda de faca
o tempo de sua vida
vai passando e a cura
que já não existe
perde-se nas dobras do tempo
de uma casa inabalável
*
casa
foi quando
a tristeza se instaurou no ambiente
as frutas começaram a apodrecer
as paredes quiseram chorar
a água não ficava mais quente
a grade não podia mais manter-se aberta
que percebi
o lar deixou de ser lar
que a casa me expulsava
mesmo quando insistimos
em estancar os vazamentos
com panos e toalhas
e isso de nada servia
era preciso caber em outro lugar
e ali eu era grande demais
*
Bichas comuns
releitura de Ferreira Gullar
Somos bichas comuns
de carne e de ódio
com cu e esquecimento.
Andamos a pé, de ônibus
quando nos deixam
corremos de vocês na paulista
e há uma força dentro de nós
pânica
feito a chama de um coquetel molotov
e ela pode
violentamente
cessar.
*
suprassunção
palavras abrem buracos
palavras queimam pessoas
Adrienne Rich, um dia, disse:
“esta é a linguagem do opressor
e todavia preciso dela para falar contigo”
(Queimar papéis em vez de crianças)
o reconhecimento é
uma língua que
nem todos podem falar
*
força pânica
para angie barbosa
bicha estamos vivas
e neste momento
o que faremos com isso
é importante
mas não sem antes
conjurar forças espíritos feitiços
para que nossos caminhos brilhem
com sua própria luz
e ilumine o que é opaco
para que nossos corpos
sejam parte de algo maior
e nos tornem falhas
para conjurar forças e
continuarmos vivas
aprendendo a viver
ainda mais