“Terra Não Dita, Mar Não Visto” (2017) – Por Ariadne Marinho e Thiago Costa
Terra Não Dita, Mar Não Visto. Direção: Lia Letícia. País de Origem: Brasil, 2017.
Terra não dita, Mar não visto é um curta de 2017, remente a seres incorpóreos, identidades místicas e ventos que ditam caminhos, às vezes visíveis, outras invisíveis. No encontro entre terra e mar, e com a direção de Lia Leticia, o curta-metragem possui cenas intrigantes que se mesclam e se fundem como um mosaico de imagens e sonoridades.
Filme enigmático e provocante, traz no título a excitação em assisti-lo. O que motivou a diretora a escolher este título? “A terra não dita” será a terra além-mundo ou além-mar? “Mar não visto” será o Atlântico, que durante séculos navegaram navios tumbeiros ou navios negreiros, cuja travessia até as colônias a vida se aprisionava nos porões desses navios e violentamente se extinguiam?
O curta inicia-se com uma caminhante na praia, figura feminina de entidade sobrenatural e performática, ela dança, reverência o mar, a praia. É dona do mundo, matriz-África, Janaína, Iemanjá. Orixá feminina, mãe de todos os orixás, associada aos rios e desembocaduras, à fertilidade feminina, à maternidade. E, como mãe, durante os 500 anos da mais triste e sangrenta História da Humanidade, a Diáspora Africana, seus filhos rogavam pelos seus cuidados e amparos, pois Iemanjá, dona dos mares, era responsável “por tudo levar e tudo trazer”.
Estética e sonoridade abrolham em fotografias que compõem cenários de beleza e de equilíbrio na trama, mar-praia-mulher-entidade mística. Todos delicados e trágicos como os cristais das taças, dos perfumes e dos espelhos que refletem o mundo no rosto da protagonista.
Veredas de simbolismo, religiosidade afro, de sincretismo como resistência, no torpor da vida nos grandes centros, à longa caminhada e à travessia que subalternizaram seus descendentes em terras estrangeiras. Mais uma vez, Terra não dita trava um destino incerto de miséria, luta e resistência. As feiras constantes mostradas no curta representam mais que simbolicamente a grande Diáspora. São corpos de trabalhadores negros e negras, que outrora foram dispostos ou apresentados como mercadoria em uma terra distante, que em troca retribuíram a sua força de trabalho como violência e assassinato, total desprezo pelas suas vidas, pautada única e exclusivamente na cor.
* Texto escrito a partir da programação (mostra competitiva) da 3ª Mostra de Cinema Negro de Mato Grosso, em Cuiabá (MT), ocorrida no período de 09 a 11 de novembro de 2018.
** Ariadne Marinho é graduada e mestre em História. Dedica sua vida ao deus Dionísio e ao leve Tom. Atualmente é uma atenta observadora do cotidiano.
*** Thiago Costa é historiador. Autor de O Brasil pitoresco de J.B. Debret ou Debret, artista-viajante (Multifoco: RJ, 2016), tem contos em antologias literárias publicados pelo país. É sedentário e prefere filmes ruins.