Travessia, uma nova coluna – Por Sílvia Barros
Estreamos nesta terça-feira, dia 07 de julho de 2020, em toda alegria e afeto possíveis, uma nova coluna em nosso Ruído Manifesto: TRAVESSIA, assinada pela professora doutora do Colégio Pedro II e poeta de mão cheia, Sílvia Barros. Seja muitíssimo bem vinda, professora! O espaço sempre esteve reservado à sua voz. Forte o suficiente, temos certeza, para ajudar o país a compreender o canto das pretas brasileiras. Todos nós enquanto sociedade só temos a ganhar com isso.
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Sou professora por profissão e escritora por nascimento. Sou doutora em literatura brasileira e hoje atuo na educação básica e na pós-graduação e desenvolvo pesquisas em torno da autoria negra. Como escritora, publiquei contos, poemas e crônicas nas antologias As coisas que as mulheres escrevem (2019), Cadernos Negros (2018 e 2019), Negras Crônicas (2019), Nem uma a menos (2019) e Contos para depois do ódio (2020). Publiquei o livro O belo trágico na literatura brasileira contemporânea, fruto da minha tese de doutorado defendida em 2018.
Quero propor Travessia como uma coluna quinzenal com textos que perpassem as ideias de memórias, permanências e transformações nas vivências negras a partir da literatura e do cotidiano. Com esse primeiro texto quero oferecer uma pequena reflexão a esse respeito.
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Travessia
O que alguém pode ter a dizer? O que uma mulher pode ter a dizer? Além, apesar e a despeito de seu gênero, sua raça e orientação sexual, o que há para ser dito? Nossa necessidade de comunicação, em especial nos tempos pandêmicos em que vivemos, transborda pelas redes sociais em fotos, vídeos, lives, mensagens de amor e desespero. Muitas delas são feitas de palavras faladas e escritas. Aprendi com as grandes escritoras Toni Morrison e Conceição Evaristo que dizer é preciso, escrever aquilo que gostaríamos de ter lido é necessário para criar novos mundos onde estaremos vivas. Foram essas escritoras que me ensinaram que toda escrita de mulheres negras é insurgente. São essas palavras que me ajudam a atravessar esse longo mar.
Muito se fala sobre a falta de representatividade negra no cânone literário, sobre a escassez de autoria negra, sobre a falta de memória e o apagamento da história. Será que estamos começando agora a partir de um vazio? Onde ficam as narrativas de nossas avós? O que significam os cantos ensinados nas casas de axé? Em que livros estão os poemas de Auta de Souza e de Maria Firmina dos Reis? Nós temos memória, história e permanência. Viver na palavra é fundamental para a nossa existência, entender que nossas palavras são ecos produz o desejo de reverberar.
Travessia é uma das palavras mais significativas que habita meu coração. Usando como título essa palavra, escrevi um poema publicado em Cadernos Negros volume 41. Na última estrofe há versos que dizem:
de tanto suportar
se cansou.
E, no cansaço, sentou-se na cadeira da varanda
de onde podia ver
desfilando realeza
desafiando a nobreza
exibindo a beleza
outras, mais novas,
que construíam fortalezas
mais fortes/rodas mais largas
e chãos mais firmes.
Diante do olhar de uma mulher mais velha e a partir da abertura de caminhos que ela proporcionou, mulheres mais jovens criam e fortalecem seu próprio chão para atravessar a estrada da vida. Assim eu gostaria que fosse meu diálogo com quem lê meus textos, como um olhar para a travessia, para o que foi feito antes e para o que vamos construir a partir disso, usando a literatura como esteio.
ROZANA gASTALDI cOMINAL
SERÁ UM PRAZER ACOMPANHÁ-LA AQUI NESTE ESPAÇO! qUE A NOSSA TRAVESSIA – SIM, FOI ESSA PALAVRA QUE TAMBÉM ME FAZ PARAR PARA LER O SEU TEXTO – ENCONTRE ECOS. pois ouvi vozes ancestrais e as registrei em minha Travessia dos Desvalidos:
(…)
No palco da vida somos todos coadjuvantes,
seja um catador de papel ou D. Quixote de Cervantes,
incorporem seu personagem com estilo
preservem nossa espécie
ou seremos apenas a consciência de grilos falantes?
(…)
Um abraço para você.
Sílvia Barros
Vamos juntas! Um abraço