Três poemas de Adriana Drih Paris
Adriana Drih Paris é paulista. Escritora, Advogada, Professora, Poetisa, Pesquisadora. Não necessariamente nesta ordem. Graduada em Direito (1993) e História (2013). Pós-Graduada em Processo Penal (1995). Especialização em Globalização e Conflitos Internacionais pela UNIFESP (2017/2018). Membro da Comissão de Direitos Humanos da OAB, 211° Subseção (2019/2021). Aluna Especial em uma disciplina de Letras Modernas (FFLCH/USP 2020). Diretora do SARAU RICADRI. Blog Pensamentos Refletidos.
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TORRE
Encastelada.
Hoje completo quarenta dias em minha torre.
Suspensa, segundo andar.
Pela fresta da janela espio a rua e vejo alguns transeuntes circulando logo cedo.
A corneta não tocou.
Não há passagem livre (na consciência) para se estar ali, na rua, fora das paredes.
Mas o alarme da fome soou.
A campainha do aluguel que já venceu, alardeou.
A sineta do armário vazio tilintou e um gemido doído saiu da boca de quem quebrou o isolamento.
Inconscientes transitam eles e elas lá embaixo, na rua, pela rua. Pela rua.
Eu, encastelada no segundo andar do meu prédio avisto ao longe máscaras andando pela avenida.
Também avisto rostos nus e apreensivos. Passos largos pensando: “se eu for rápido, voltarei mais rápido pra casa”.
Esperança!
Desassossego de quem deixou as crianças pra trás. Sozinhas no chão do quarto ou no tapete da sala (aqueles que tem sala).
Anônimos aguardam seiscentos reais. Não têm mais nem seis reais no bolso.
Da minha torre faço uma oração. Longa. Silenciosa. Na minha torre.
Por dentro uma voz brada consoante e atravessa a garganta mas pára. Não sai.
Na minha torre.
Sufoco palavras que não posso dizer, mas que giram, giram, giram na cabeça.
São momentos de inquietude nos mesmos passos daqueles e daquelas que passaram pela minha rua hoje cedo. Na minha rua.
Do chão da avenida, quem olha pro alto avista a minha torre.
Talvez não note que estou tomando a fresca pela fresta da janela.
Sou invisível para eles, na rua.
Eles são invisíveis para tantos encastelados.
Sinto, de longe, a agitação interna sobre o hoje e a incerteza sobre o amanhã.
Eu, na minha torre.
Eles e elas, na rua. Na (minha) rua.
Encastelada esperando que passe este outono e que o inverno chegue quente.
Quente de paz, alegria, amores, sabores, abraços, contornos de mãos, beijos suaves.
Calor de gente que trabalha, que é honesta, capaz, forte, simples e tão importante (anônima!).
Minha rua voltará a sorrir.
Meu castelo voltará a receber a luz do sol com sorriso na janela.
E depois virá o verão e verei o sol da minha torre, na minha rua.
O sol.
*
REALITYFICÇÃO
Cenas de filme de horror.
Nestes últimos tempos ando vendo e ouvindo de tudo.
Toques de cotovelos.
Discursos acalorados de níveis vis à quase papais.
Toques de calcanhares.
Mudanças no ministério.
Costas curvadas em cumprimento.
Costas curvadas de tanto tossir.
Antebraço limpando nariz.
Máscaras usadas no pescoço.
– Vamos aderir à burca?
Aperto de mãos não recomendadas.
– Ops! Está faltando EPIS para profissionais da saúde!
Olhar raivoso na tela da televisão.
País laico, frases bíblicas e Deus como slogan andam com dedos entrelaçados.
—
Neste país, há junção draconiana entre Deus e o Diabo.
Haja fogo, água e sabão pra limpar tanta sujeira!
A população não entende se vai ou se fica.
– Vai sobrar muito respirador!
Covas e mais covas. Só mais umas…
– Pra quê tanto respirador?
—
Verdadeira realityficção de fatos que me deixam curiosa.
Curiosa para ler os livros de História de um Brasil Contemporâneo Pós-Pandêmico.
——- (ainda não acabou!) —–
Ah! Saudades do Bambalalão…
*
A MORTE PANDÊMICA
A vida é implacável.
Ela existe para que seja possível morrer-se.
A caixa que abriga coração, rins, fígado, baço… quando decide jogar fora a chave do cadeado, não há quem consiga (re)abri-la.
Ele escolhe o corpo e o coroa com crueldade ao pódium.
É a corrida contra a vida.
– Quantos morreram ontem?
– Quantos vão morrer hoje?
– Pra quê tanto respirador?
Ele coroa mais um escolhido.
Os olhos se fecham, as mãos não seguram mais uma colher, os dedos não contam mais quantos anos ainda haveria a se viver.
A respiração antes sofredora não se esforça mais.
A chave do cadeado sumiu no tempo.
Fechou-se na cara a porta do futuro.
Eu viva. Eles mortos.
Eu mascarada. Eles mortuários.
Impossível explicar o sentimento que desperta quando a caixa, vazia de vida, vazia de ar, vazia de alma está ali e acolá, imóvel.
Aos montes.
Covas.
– Pra quê tanto respirador?
– É só mais um pobre!
E ela, a alma, já no seu novo lar, em paz, na luz serena a nos olhar.
E a família, a chorar.
Um povo, a rezar.
Uma igreja vazia.
A lágrima de Cristo secou.
A morte talvez seja a grande sorte que chega quando não dá mais pra carregar o corpo, e o corpo não consegue mais carregar a vida.
A morte é implacável.
Só chega porque houve vida.
Mas o Rei que veio coroar com a morte tantas vidas está de passagem.
Uma nova aragem há de surgir.