Três poemas de André Siqueira
André Siqueira. “Sou do interior de São Paulo, Jacareí. Cursei a faculdade de Letras, porém não concluí. Já publiquei de forma independente livretos e em diversas antologias, revistas, blogues e jornais. Mais recentemente um de meus poemas fará parte da antologia Parem as Máquinas do selo Off Flip e sou um dos colaboradores da revista Pixé. Em breve meu primeiro livro de poesia será publicado por uma editora”.
***
Chá de domingo acinzentado com um senhor em isolamento
numa antiga vitrola
a voz
abri a janela mas não sei se a
pandemia de vida entra
não sei se ainda quero mexer o
rabo quando penso no avanço
das horas, na menopausa, na
calvície da alegria
found found found
perdi perdi-me me vendi
a você pela casa de pisos de caquinhos
marrons de formas assimétricas com cheiro de
passado, barulho de outrora, água de esfolar a alma
numa antiga vitrola
a voz
everyday is like sunday
tomar chá no sofá desfiado pela camomila que quer ser rubente entre Wuhan assombrada e o presidente pisa no meu xerife Woody largado em alguma parte da casa
home is a question mark
é engraçado como a gente se cansa
corto as unhas do comprimento chatíssimo da minha cara crescida, laçada como cabrito dessacralizado
de uma chupada só eu quis a poesia na secura de mim mesmo tão mim que ficará pra trás
será que o carteiro vem?
numa antiga vitrola
a voz
jim jim falls
não dá não
pandemia, viagens canceladas
quero meu dinheiro de volta,
pode ser Deus?
um poema sobre espirro
se você não quer mais
jim jim falls
tá ó quei?
eu não sei até quando isso vai, mas chafurdo no colchão
sempre fui gauche e cantava o barquinho no mar poluído pra não dizer esgoto
jim jim falls
resolve aí
ou melhor
deita aí que a vida te leva de qualquer jeito
numa antiga vitrola
a voz
tomando esse chá de camomila,
cidreira e maracujá
me sinto uma mulher
um filete de sangue
nas gengivas
era só gengivite
a caneca, o chá, o sachê
todo o preparo até o alarme do micro-ondas
tudo é confinamento
tudo analisado, livro aberto
espírito cultivado e mente sã
com pagamento em dia
álcool em gel tinindo e coração aberto
eu vi!
bom mesmo é dormir
***
Quarentena
Os objetos conhecem
os quartos, partes, cômodos,
extensões de remansos
que abrigam toda a gente
íntima do silêncio
isolado na espera
de cada ser fechado.
Testemunhas ocultas
mesmo que emudecidas,
hospedeiros de gente
no vírus desse mundo.
Sem luva sinto, pálido:
os objetos na casa
prosseguem retesados
e infectados de gente.
*
Furor
Li seu e-mail agora há pouco. Faz caluda. Tento ligar os pontos mas que nada. The ordinary boys ao aplicativo do uber com leve blissful sunday afternoon. Vigio o flash dos pássaros em V. Não consigo responder agora. Inseto desfazendo-se na tela do celular. Não consigo responder agora. Cada ruído lá fora é ciranda, um estouro da penumbra dentro. Ventilar a dor.