Três poemas de Carla Diacov
Carla Diacov (São Bernardo do Campo, 1975) publicou Amanhã Alguém Morre no Samba (Douda Correria, 2015/Edições Macondo, 2018), A metáfora mais Gentil do Mundo Gentil (Macondo Edições, Juiz de fora, 2016), Ninguém Vai Poder Dizer Que Eu Não Disse (Douda Correria, 2016), bater bater no yuri (livro online pela Enfermaria 6, 2017), A Menstruação de Valter Hugo Mãe (editado pelo escritor português, no projeto não comercial Casa Mãe, Portugal, 2017), A Munição Compro Depois (a sair pela Cozinha Experimental, 2018).
Os poemas abaixo são do livro inédito A Munição Compro Depois.
***
apareceu no sabonete verde
a cara de uma senhora que não me é
estranha
anoto o evento no bafo da janela
saio do banho com o sabonete na mão direita
não me enxugo
agora tudo tanto
desde o registro aberto tudo não me é estranho
o sabonete está ali
opera mínimos milagres em seu nicho de toalha de rosto
sabonete
senhora
janela
mão
registro
milagres
nicho
toalha
ergui um forte entre minhas suspeitas
*
um jeito de dizer o corpo sem a carcaça
do outro cadáver uma maneira de calar o mundo sem
calar os golpes do mundo de fora do
mundo de dentro e um copo virado sobre a mesa
prendendo a barata sem prender o amor por ela
o amador a amadora o adorável verniz que não que nunca
diz-se cu sem que o cu esteja sem que o cu pulse junto
da fonte
escolhida a dedo para o cartaz da profissão
*
efetuar pagamento
o peso desse lápis
não é o peso da certeza
em algum momento da vida
vou ser muito mais parecida com minha mãe
mais do que já sou
serei muito mais parecida com meu pai em algum outro
momento
serei muito mais parecida com uma vizinha que tive
vera me acordava com deus aos berros
serei muito parecida com o padeiro
em algum passo mais largo que esse
em algum espirro mais breve
serei parecida com a megera flor que vejo no vaso
com a água cheia de larvas
em algum momento da trilha serei
mais aquela que quero ser hoje
uma que não precisa se alimentar
uma que não usa roupas
uma que não desperdiça os olhos
os ovos os ombros os vasos
o peso desse lápis não é mesmo o peso da certeza
minha mãe está fazendo chá de alguma coisa
meu pai está em algum lugar escondido de tudo
em todo momento
meu pai está
em algum memento meu pai será
muito mais parecido comigo
e já o peso do lápis confere o documento que segue
meu pai então
protocolado