Três poemas de Davi Koteck
Davi Koteck nasceu em Porto Alegre (RS) em 1995. Publicou o livro O que acontece no escuro (Editora Taverna), e participou da antologia Qualquer Ontem (Editora Bestiário). Tem contos publicados na São Paulo Review.
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a grande beleza
é quando lá fora o sol
tímido e condescendente
uma lasca mentirosa
mas avermelhada de um tom soviete
lasca embora pareça
não é tão falsa quanto o meu
eu lírico cozinhando versos
a resposta está numa sala –
no entanto que seja de estar – invadida
por um feixe entardecido
e meu eu lírico não escreve agora porque
caetano canta nirvana com a voz inalada
enquanto numa tela plana e de alta definição
jep gambardella sob o reflexo ofusco diz que
no final é só um truque
sim, é só um truque.
*
textura elétrica
anoitece em ponto morto
o escuro se derrama
assombra os quartos de luz roxa
um terço da cama box
alguém ali deitado
coberto pela fusão das cores
com apenas uma dúvida
você já quis voltar ao passado?
de lá não ter nada absolutamente
nada
talvez só a certeza
de que todas promessas
estão guardadas
*
todo abismo é navegável a barquinhos de papel
1.
quando você acorda a esperar
nada acontece
permanece sem abrir os olhos
e finge que ainda dorme
2.
num dia quente esticar a cortina
sentir o que resta de vento
mas a cidade parece parada
3.
tomar decisões com o estômago vazio
gritar embaixo da água
correr de olhos fechados
pensar se esqueceu acesa a boca do fogão
4.
acender a boca do fogão embaixo da água
correr de estômago vazio
tomar decisões de olhos fechados
esquecer de gritar na hora marcada
5.
estar deitado num lençol
azul e roto
que se parece com o mar
e não mergulhar por medo de água
de morrer afogado
com o nariz bêbado
de olhos fechados
e tudo
engolir as ondas
o gosto de sal que sufoca
mas antes levantar
trocar a cama de roupa
esticar bem cada ponta
prender o elástico embaixo
dos quatro cantos do colchão