Três poemas de Gustavo Paiva
Gustavo Paiva (1997) é um aspirante a ensaísta e crítico literário que, ocasionalmente, arrisca-se a escrever poemas.. Vive entre Viçosa (MG) e Cruzeiro (SP). Gosta e sonha em estudar as obras de Djonga, Don L e Sant. Tem estudado a obra e a vida de Torquato Neto nos últimos 3 anos.
***
Hospital
para João Faria Filho, meu avô
1.
A voz dos trovões equipara-se
à voz da multidão.
2.
Planos duplos e paradoxais:
a) corredor vazio — regularidade e
sombras bem definidas pela pouca
luz entre as portas;
b) sala de espera — tão barroca
quanto a chuva; vozes misturadas
entre os pingos do telhado e as teclas
do celular
3.
intermitentemente passam macas pelo
corredor assim como barcos de papel
são levados pela chuva
4.
Ao passar pela Virgem: sinal da cruz
e beijo no crucifixo. Jesus crucificado
salvará meu avô da vida eterna?
Adiante: floresta sem espaço nem tempo
apenas corredores e paredes brancas e
curvas que na verdade são retas
5.
Agora entendo por que Schopenhauer visitava
os feridos de Guerra. E meu olho, despreparado,
prefere negar-se perante.
6.
Sua língua seca em aflição.
O médico adverte: “não podemos
arriscar sua língua a qualquer líquido
pois poderá resultar em sua morte” —
mas com outras palavras,
“seu organismo está sendo hidratado
pela sonda que colocamos”.
Sua língua, no entanto, perece por água?
7.
Sua língua, a portuguesa, não é
em nenhum momento proferida:
pela falta de água ou pelos danos
cerebrais? — seus membros pedem
um pouco de português brasileiro,
Mas o corpo é a-língua, é apenas
linguagem universal.
8.
A vida: não me atrevo,
a vida é sofrimento
e a morte, existência
9.
[um dia, talvez, leia
para ti esse poema
em língua portuguesa
e você me lê seu
poema feito com seu
corpo e com sua vida
inteira.]
Janeiro de 2015
*
Autorretardo
(l)o(u)co de nada
essência esquecida
cabeça atormentada.
no sorriso:
prenúncio suicídio.
fotos com sorriso:
morto.
quem o vê:
poucos com olhar de(s)purado.
reconhece:
— sempre serei nunca
na nuca: pessimismo
(cobre o espelho em lençóis
por medo)
troca de pele
feito cobra
de página em página
de sonho em sonho.
por isso
nunca soube o que
ou quem foi/é/será
escreve para esquecer
quando pensa que descobriu
onde está
*
heroico quebrado
(para pixar)
meu berço de poeta
veio virado do avesso.
com a alma feita de pedra
fiz da parede: leito.