Três poemas de Helena Zelic
Helena Zelic (São Paulo, 1995) é poeta, militante e comunicadora. Formada em Letras pela USP. Publicou o livro Durante um terremoto (Patuá, 2018) e as plaquetes 3.255km (Nosotros, 2019, com Mariana Lazzari) e Caixa preta (Primata, 2019).
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OUÇO COM ATENÇÃO QUANDO POETAS FALAM
algo importante pode
estar prestes a sair
da boca de poetas
ouço com atenção
mesmo quando poetas chegam
quase lá mesmo quando fingem
entregar o ouro
bruto
ouço
algo importante está na ponta
da língua que poetas estendem
para a gente agarrar ou lamber
com atenção
quando algo importante está no centro
da terra e da gente que é vivo
i ching magma espírito matéria
poetas traduzem pela meta/
de propósito
algo importante será revelado
pela câmera analógica de poetas
quando a luz avançando o sinal vermelho
poetas são carteiros
do único envelope
extraviado aquele
quando todas as versões
são possíveis
e quando
poetas lavarem a roupa
suja do mundo encontrarão
no bolso da calça um bilhete
ilegível e por isso vão lê-lo
em voz alta
poetas falam
por isso sempre que posso
ouço com atenção
poetas falam
ouço com atenção até quando
sua voz é a minha
tomada de empréstimo
seguindo o dedo
que segue a linha
*
PROCEDIMENTO
a poesia é uma cirurgia
às vezes corpo aberto
às vezes câmera oculta
a poesia é uma cirurgia e eu gosto
de sobreviver
*
SIGNOS EM ROTAÇÃO
o poema é
tempo arquetípico
linguagem em tensão
silêncio e não-significação
poesia e, além disso, outras coisas
um ato inexplicável exceto por si mesmo
retorno da palavra à sua primeira natureza
irredutível à palavra e, não obstante, só a palavra o exprime
uma unidade que só consegue constituir-se pela plena fusão dos contrários
sua necessária dependência da palavra tanto como sua luta por transcendê-la
uma experiência em que a nossa condição, ela mesma, revela-se ou manifesta-se
mediação entre uma experiência original e um conjunto de atos e experiências posteriores
o verso é
unidade indivisível e compacta