Três poemas de Hugo Ribas
Hugo Ribas é escritor, pisciano, tem 34 anos e vive na cidade de Itatiba/SP. Ator frustrado quase formado pelo Teatro Escola Macunaima, onde apresentou peças de Gianfrancesco Guarnieri e Friedrich Dürrenmatt. Também quase se formou em Design Gráfico, mas desistiu no último ano. De todos os concursos literários que já participou, conseguiu apenas um prêmio de 5º lugar no XV Concurso Literário JI / AEPTI, na categoria Contos e Crônicas, na cidade de Itatiba. Já foi colunista em alguns blogs que não existem mais. Faz e vende bolos caseiros para sobreviver no mundo real.
***
VELHA
Perdeu o tempo de vista, perdeu-se.
Não amou. Não doeu. Não viveu.
Existem notas guardadas na carteira
velha.
Se juntar uma por uma,
ele há de comprar alguém para amá-lo.
Não só para amá-lo,
mas também para lhe dar o êxtase,
a fantasia, o esboço da vida perdida.
Agora ele está nu, totalmente entregue
ao corpo jovem, belo e viril do amor comprado.
Nunca esteve tão próximo de si mesmo,
tão vivo, tão livre, tão fêmea.
Findo o amor, pagamento feito, corpo vestido.
Olhos no espelho, voltou a ser pesadelo.
Tão sozinho, tão velho, tão homem.
*
O QUE HÁ NO ALÉM DO ESPELHO?
Há um susto nos olhos do espelho.
Olhos meus, assustados…
Não com as linhas, filhas do tempo,
mas com a súplica, filha do medo.
Por trás da fala dócil, há um brado.
No além do riso solto, há um clamor.
O susto, a súplica, o brado, o clamor
agarraram-se uns aos outros,
afogaram-se uns nos outros.
Gritam, urram, berram
através desse meu jeito insípido de olhar.
Não posso resgatá-los.
Ainda estou aqui diante do espelho,
divisando os brados agarrados aos meus olhos.
Silêncio.
Eles já não me assustam mais.
*
SEVERO
O que nutre o meu desassossego é outra coisa,
coisa profunda.
Falta-me a alma…
Eu a perdi num canto do tempo que a memória não alcança.
Eu falo de alma perdida.
Deram-me o nome de Severo,
nome de força, nome de homem, nome de ódio.
Deram-me um nome sem me pedir licença. Pegaram-me no colo ainda bebê e viram que entre as minhas pernas havia um pinto. Papai, muito orgulhoso de seu rebento varão, concluiu então que deveria dar-me um nome viril e austero…
Quando me dei conta, eu já estava viva… não tive escolha. Lembro-me de muito cedo concluir que, naturalmente, eu seria uma criatura sem direito a qualquer tipo de escolha, afinal de contas deram-me a vida sem a minha permissão.
Alguém simplesmente decidiu que eu deveria existir tal como sou.
E assim o fez.
Vez ou outra eu me deparava com raras criaturas feito eu: Naturalmente incomodadas.
E para acentuar minha nata insatisfação, deram-me um corpo desconfortável.
Quando eu nasci, a minha alma morreu.
Por isso falo de almas perdidas e homens sem rosto.
Uma vez que me deram uma vida, um nome e um pinto sem o meu consentimento, optei por me dar o luxo de trocar de nome… talvez um nome que se encaixasse melhor na alma que me faltava. Escolhi Jordana. Ainda que me olhem espantados e curiosos para tentar enxergar algum traço de Severo por trás dos meus olhos, eu me dou o direito de ser Jordana.
Não sou mulher de grandes pretensões, nunca fui.
São as pretensões que chegam até mim…
Deram-me a missão de quebrar correntes que algemam almas.
E eu hei de dar-lhes a alma que lhe negaram.