Três poemas de Iara Maria Carvalho
Iara Maria Carvalho nasceu em Currais Novos/RN, em 1980. É mestra em estudos da linguagem e agente de cultura em sua cidade. Poeta com dois livros publicados, já foi premiada em diversos concursos literários estaduais e nacionais. Louva formigas, a poeira do cotidiano e reconhece na memória – ou na falta dela – sua musa primordial.
***
Uma espécie em extinção,
o amor? Andar sem
olhar pra trás e tirar sempre
que pode a poeira que
repousa sobre a caixa onde
guarda a coleção dos fracassos.
Não, não está extinto.
De longe, ouvem-se os risos
dos namorados diante
da praia, a doçura do vento
embaraçando os cabelos,
os dedos, e o jeito novo
antigo de ir embora
quando o amor não tem
mais sal, quando o amor não
dá mais onda, quando o amor
bate nas pedras e se quebra.
No entanto, dos sargaços
o amor se move, fica sob a areia
só até o dia em que a maré
baixa e deixa um rastro
de desejos e espuma,
saliva e sonho,
suor entre as conchas.
Remar, reamar.
Viver.
*
Dou de ombros
quando os amigos
me perguntam
como é morar no fundo
do Rio Ouse.
Curioso
como querer
saber a temperatura
de dentro da
concha
para a ostra
ou o sabor azul
das águas amnióticas
onde nada um
bebê astral.
Desprezo tamanha ignorância:
a de achar que há
um fundo no
Rio Ouse
que baste a sede
de alguém.
Ou minto
– o que é melhor:
‘gosto das horas
mornas
quando bate
a luz do farol’.
*
Ainda que a desejada me
convoque ao salto,
permaneço.
Ainda que a desejada me faça
trincar os dentes de pavor
na hora súbita
do poema,
passo.
Ainda que a desejada tenha o cheiro
de uma flor sem nome
e assustadoramente murcha,
cresço.
Ainda que a desejada lance
sua sombra úmida
e sem temperos
sobre a balança dos meus
ombros insustentáveis,
vivo.
Porque tudo em mim
é a desejada me seduzindo,
mas eu danço sobre
o túmulo dela
como quem lê um livro
muito lindo.