Três poemas de Igor Moroski
Igor Moroski, nascido em Curitiba, criado no litoral do estado, Sol em Domicílio, 1998. Próximo a lançar seu livro de estreia: Vermelho-Medusa (Editora Urutau).
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DO AMOR QUE CABE ANCESTRAL & DANÇA TONTINHO
Eu iluminado de vinho & porre
nunca terei o conforto espiritual necessário
para valer minha estada em um luzeiro
minhas mãos são estas
de minguar as chagas nos versos
& meu desejo
é reencarnar verme em tuas coxas
revirar-te, dona
a intimidade
em um primor mental sutil
quase de flor,
eu, aí então
ficar
púreo & pousado
feito um estranho balão
sobre os tapetes de Constantinopla;
mas digo & sei
que é aí, nesse desejo ninhado
o pecado onde minha alma se encerra
não no meu corpo
mas sim no seu, pois sim
o não mecânico, metafísico corpo
de fauna lunar & oposta topografia;
trepidar minha parte aquosa
esperar a abertura certa dos anseios
precipitar córrego
morrer;
ter-me em ti a aspiração poética
de um carnaval em Vênus,
[empilhar o coração desperdiçado –
volátil-festim]
pintar a pele
em um céu místico & nauseado
espelhar os membros rasos
na boca da aurora,
nós, dados
no fim de um ciclo máximo
em uma rósea balada
de nossas almas ainda infantis;
por favor, eu te amo
sitia o tempo que devora-me
& assim
por detrás da extensão durável dos dias
estabelece em mim a morada
vermelha ou azul
mas infinda;
[extraído destino
pulsante-cristal]
a chuva que vem,
tua presença sinfônica
& meu peito
feito um campo aberto.
*
SINISTROGIRA CATASTRÓFICA
É teu jeito sem fórmula
de nada além do excesso
queimando nossas bandeiras no parapeito
& a índole de musa subversiva
a desafiar a fibra
do coração
é tua campanha ao fundar roteiros
pelos pântanos de minha veia coliforme
& teu saber no teor
a irrealidade de onde pisas
o que me rouba.
Seria você qualquer coisa
se não catástrofe medida
de uma peça à memento mori?
que me cubra o teu deus em taquicardias lumiadas
mas eu que tenho em ti a fome
& compareço mal em teus dias
não serei aquele que examina
as falas & os ângulos à Godard
só terás em mim
a face escusa no sono
& a voz que bêbada chega em teus ouvidos
num chiado vítreo de versos
barbáries purpúreas.
Sei da quentura
& a textura exata que me acolhe
em teu seio de índia
pois teu coração é minha casa de reza
& o mesmo sol que perfaz
é o que comigo partilha.
Temos nos olhos a polpa-vertigem
& proferimos em vazão
as visões clandestinas do espírito
enquanto arte.
Se depois do amor
o Piazzola toca ao fundo
& tu exala um alvoroço tímido
quando me miras
eu te perco então as passagens
e extraio do teu ser
os nossos caminhos.
*
FASCÍCULO ZERO
A poesia cabível
no meu biotipo ectomorfo
faz hesitar a arada
que desbravo
nesses momentos que se transcorrem
pela janela cansada de minha face
os recortes cotidianos
como uma jóia escoada
de onde se tira o licor
& se bebe na oportunidade
do tempo-pleonasmo-intransferível
para nunca mais;
essa parábola budista
em que o viajante permanece em fuga
na espreita de um tigre faminto
onde ele
se abriga estático
agarrado ao cipó de uma figueira
pendurada sobre um abismo
& ali
se desatenta da morte a espera
pelas gotas de mel
que caem jocosas da situação
através de uma colmeia
posta à Deus-Acaso
no tronco da árvore
& o mel derrama em sua boca
& o viajante se esquece da morte
pelo prazer
o viajante se esquece da morte
pelo prazer
eu repito
& me mantenho anguloso
nesse sentimento cego
de querer morrer
devido essa síndrome de perseguido
esse amargor remoído em mim
o corpo que deseja ir além de um U
para entrar em si
partir a coluna & canibalizar-se
até que sobre menos
que os cristalinos incendiados sob o sol
que sobre menos que a minha figura brincando
com a visão periférica de alguém;
eu quero ser esse rastro
que se anuncia longe demais para ser pego
eu quero refinar-me a ponto de pólvora
& luminescer quando minha carta for aberta
me disseminar nas imagens antes do olhar
antes do tempo
antes da consciência
antes que qualquer coisa banhada de significados
queira nascer
o não-pensamento
é o único lugar possível para o conforto
odeio deitar a vida nestes poemas.