Três poemas de Isabella Ingra
Isabella Ingra (Brasília, 1993) escreve poesias desde que leu seu primeiro poema (quadrilha, Drummond) na escola. É professora de literatura, atriz, contadora de histórias e poeta. Publicou dois livros infantis e agora se prepara para publicar seu primeiro livro de prosa e poesia. Suas maiores inspirações nasceram da poesia marginal e da escritora lendária Clarice Lispector. Acredita que poesia é pura bruxaria e não há inquisição que a pare!
***
Fim de tarde:
Você entra no seu carro importado
Você consome sexo mas nunca consuma
Você acredita num mundo melhor
Mas você nunca teve uma árvore só sua
Você nunca tocou a terra
Você nunca sentiu afetos úmidos
Você tem um apê em Copacabana
nunca remendou uma calça
nunca se sentiu completamente pequeno num fim de tarde
você acha que um dia vai ter uma esposa que te complete
e que sorria todas as vezes que você precisar se sentir alegre
você separa o lixo, enfim
você olha de lado pra quem lhe parece espontâneo
quase uma afronta
você se sente mal por não bater todas as metas que você pregou na sua geladeira
você acha injusto não poder fingir orgasmo
você se acha um homem moderno
você se senta em sua poltrona
e a água desce sempre rasgando
*
A desobediência
e o querer encontrar contigo
num ato, numa cena oblíqua, onde não nos acovardamos.
É soco
É pontapé
bala de borracha na nossa lata
e ainda assim, a gente acorda domingo,
faz amor sorrindo e com um pouco de dor: gemidos.
Nosso povo tristemente teme. Não.
Nosso povo agoniza, num silêncio absoluto entre um urro e um gemido.
O desejo
suas nuances
Medo que a abundância
provoca
Tão acostumados à escassez
O monismo feito absoluto
Amor único
E tudo vaza por todos os poros
Seres abertos que somos
A pele que se esfrega em tudo
Tão permissiva e úmida
a gente bota talco e antitranspirantes
Não quer que se perceba que estamos assim querendo mais
Mais corpo
Mais alma
Num tesão
Pelo infinito
De que somos feitos
A poeira cósmica soprada
se acopla a tudo
Nós
Esse ínfimo sem fim
Esse fim que justifica o meio
Porque é sempre
Pelo meio que isso nos atravessa.
*
Omeletes
eu não sei manter postura
eu não sei me misturar na paisagem e nas pessoas
eu não sei ir embora
parece que sempre estou pronta pra cair
parecem degraus a minha história
caio um por um sem elegância nenhuma
eu acordo cedo e desapontada comigo viro pro lado
imagino um lago bonito o suficiente pra me afogar
imagino uma música de fundo
uma trilha sonora
um amor pra chutar
um navio partido ao meio enquanto eu sou a capitã
um prédio inclinado
um feitiço a favor do feiticeiro
uma bruxa arrependida
Shakespeare no boteco chorando da sua pior raiva
mamãe sem orgulho
um puteiro de putos
um cesto de roupas limpas
um varal de roupas sujas
um partido de frente romântica
um sexo tântrico precoce
choro sem razão
me levanto lavo o rosto
acho que passei do ponto
acho que morri na hora errada
acho que omeletes de manhã pode significar que está dando certo.