Três poemas de Ismar Tirelli Neto
Ismar Tirelli Neto nasceu em 1985 no Rio de Janeiro. É poeta, ficcionista, roteirista e tradutor, autor de synchronoscopio (2008), Ramerrão (2011), Os ilhados (2015), do megamíni Alguns dias violentos (2014), todos publicados pela 7Letras, Duas ou três coisas airadas, em parceria com Horácio Costa (Luna Parque, 2016). Seu livro mais recente é Os postais catastróficos (2018).
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Posições a assumir frente ao mundo
De costas palestrando papada
erguida. Pernas flexionadas
em fuga. Braços em fuga. Braços
cruzados tendo lançado
sobre a mesa um manuscrito.
Braços para trás como os mosquitos.
Em riste ajoelhado terror santo.
De bruços de borco debaixo
de um teto de bocas. Gritando
ou de cabeça. Dançando gritando.
Imóvel e um pouco mais rápido.
Tamborilando sobre os dias.
Anelares massageando as têmporas.
Rebatendo as luzes com a calva.
*
No bistrô do Museu do Holocausto
Nenhum encômio que tecer
sobre estes tempos
Tivemos um
descuido redundou-se um bistrô
no Museu do Holocausto
meteu-se-me meteu-se-nos
um bistrô
no Museu do Holocausto
Calara nos fígados
palpamos
o inchaço
Anguloso dentro
do bistrô do Museu do Holocausto
Um homenzinho destes com remendos
de couro à altura dos cotovelos
haure mais um gole de sua gasosa
Como chegou aqui
sozinho e sem ilusões
crê tratar-se de raconto
edificante
Contudo há pouco buscava uma saída
uma língua
espessou-se à porta
de par em par
Apagam-se as luzes
*
Diante da lei
Não, Senhor
Não fiz minha parte em erradicar a Beleza do mundo
Cuidei no entanto de deixar em cada palavra
Ao menos uma luz acesa
Uma fresta que em certa medida era também
Eu a passar como uma rede por estas cidades
As cidades
Pegando-se a mim pelos furos
Eis-me aqui para a prestação de contas
No restaurante
Onde ontem almoçamos uma moça
Ensinava a filha pequena a jogar dominó
Percorrendo uma galeria cruzei-me
Com um rapaz bastante moço que dizia
Para a jovem chorosa que o acompanhava
“Juro pelo que há de mais sagrado”