Três poemas de Laiane Soares
“Sou Laiane Soares, uma mulher negra de pele clara, sertaneja, estudante de Letras – Português e Espanhol na Universidade Estadual de Feira de Santana e artista na arte da escrita. Tudo o que escrevo é sobre minha realidade, subjetividade, anseios, sonhos e desejos. Minha escrita carrega ancestralidade e a vontade de mudar o mundo. Escrevo porque sinto e eu sinto muito”.
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MENINA-CRIANÇA DE PELE ESCURA CLARA
Quantas violências cabem num corpo-criança?
Menina-criança de pele escura clara
Até mesmo as mais claras são atingidas
Quando menorzinha até que era bonita
Parecia uma “índia”, diziam.
Em um dia aparentemente tranquilo
Ouviu da boca de um menino
Que nem ao menos conhecia
O quanto era feia essa menina
A menina-criança de pele escura clara.
Um pouco mais crescida
A menina-criança não entendia
Por que quase nenhum amigo tinha?
Os “amigos” aos quais tinha afeição
A humilhavam sem nenhuma aparente razão.
Em sua intensa infância
Era para uma menina-criança de pele alva branca
A quem nutria muito apreço e afeição
As duas se chamavam de melhores amigas
Mas a menina-criança de pele escura clara mal sabia o que viria.
Essa melhor amizade resultou em infinitas
Profundas e marcantes comparações
“Sua pele fica muito cinzenta, não é como a dela”, diziam.
A menina-criança de pele alva branca constantemente a excluía
Até em suas festas de aniversário a menina-criança de pele escura clara não ia.
A menina-criança de pele escura clara nunca revidara
Continuou sendo amiga
Mas um dia percebera que aquela amizade já não fazia sentido
Então, juntou-se com outras meninas de pele escura clara
E outras ainda mais retintas.
Descobriu que essas outras iguais a ela
Também eram profundamente excluídas
Por muito tempo viveram unidas
Se acolhendo e compartilhando alegrias
Ainda sem saber o que de fato as unia.
Depois de muito tempo
A menina-criança de pele escura clara
Já não era menina-criança
Se pôs uma jovem-mulher de pele escura clara
E começou a entender as coisas que na infância não compreendia.
Hoje a jovem-mulher de pele escura clara
Sabe de onde veio toda essa exclusão
É herança de um passado que ainda se faz presente
Que se transformou numa moderna escravidão.
Os corpos de meninas-crianças como o dela foi
Ainda continuam sendo atravessados por muitas violências
Talvez até as mesmas sem nenhuma diferença.
Mas a mesma pergunta continua a persistir
Quantas violências cabem num corpo-criança?
*
ENSINA-ME A SENTIR
A viver o mundo sem medo
A andar pelas ruas na paz de perceber tudo que as compõe
A sentir o vento passar por meu rosto fazendo meus cabelos flutuarem livres
A ouvir os pássaros cantarem cantos infindos de liberdade
A saltitar enquanto ando na leveza de poder ser quem sou
A sentir o sol arder em minha pele reluzindo o bronze
da minha cor, da minha dor, da minha história.
As ruas estão cheias de perigos que podem me atravessar
Ensina-me a ter esperança
Ensina-me a ter segurança
A desbravar o mundo sem pestanejar
Andar por cada canto sem o relógio precisar olhar
Ensina-me a viver sem medo, hoje eu quero sair pelas ruas sem me preocupar
Por qual caminho é mais seguro para passar
Com qual barulho devo me atentar
Ensina-me a viver sem medo
A sentir a vida mansa sem hesitar
A andar pelas ruas bem devagar
Ensina-me a viver em paz.
*
TEMPO REI
Ao meu avô, José Ricardo Soares
Entre rugas a cor preta reluz
Mostrando as marcas de um tempo
Que não tende mais a voltar.
Nos olhos não há o mesmo brilho
Como de quando via seus netos a brincar.
O corpo que tanto labutou
Já não guarda a mesma fortaleza
A queda é mais precisa que a firmeza.
É tempo de recolher-se
De quedar-se quieto e sereno.
Meu coração se desmancha desesperançoso
O meu corpo que tanto labuta
Já não quer ser mais fortaleza
A queda também parece ser mais precisa que a firmeza.
É o meu tempo de me recolher na dor, deixem-me quedar e ficar quieta.
Gostaria de parar o tempo com minhas próprias mãos
Voltar um tanto e parar nos nossos melhores momentos
E revivê-los com mais fulgor
Aproveitar muito mais cada instante ao lado desse grande amor
Mas o tempo tem suas próprias leis.
Fico com a certeza de que você muito me inspirou
Me ensinou a ser resiliente mesmo diante de tanta dor
Você é o homem negro mais potente que conheço
O sangue que corre em minhas veias carrega tamanha ancestralidade
De um homem negro agricultor que carregou África na vivicidade.
Cidália ferreira
Gostei muito deste blogue!
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Coisas de uma Vida
Beijos. Votos de um bom feriado.