Três poemas de Leo Nunes
Leo Nunes é formado em Comunicação Social – Rádio e TV pela UFRJ e trabalha como produtor de finalização de produtos audiovisuais, atualmente cursa Letras – Português e Literaturas na UERJ. Escreve por necessidade física, para expressar desejos e criar mundos.
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Sobre aquele lugar
Talvez ainda haja algum sentimento
Talvez exista em uma pequena possibilidade a tentativa
Já não me lembro mais de quando deixei
Só sei que ficou atrás
Em um ponto distante
Em um passado atravessado
Olhei a foto do dia anterior
Do lugar que não fui
Da festa que não participei
E reconheci um pingo
Uma gota de saudade
E inveja
Talvez sejam esses os sentimentos
Talvez exista uma pequena parcela de mim
Que se lembra
E faço exercício constante o esquecer
Me esforço para transformar a culpa em dor
E anestesiá-la com qualquer medicamento
Carrego nas bolsas cápsulas e comprimidos
Carrego nas mãos a vontade de deixar de sentir
Lembro da foto do dia anterior
Do lugar que não quis ir
Da festa que neguei comemorar
E o problema se concretiza na minha ausência
E no silêncio que habita entre nós
Porque é um jogo, uma dança
E vamos todos desenhando sobre esse salão
A história das nossas vidas
Estou me distanciando
Coloco o passado a frente e contemplo
Um tamanho sem norte
Talvez eu tenha medo
É uma escolha sem sorte esse caminho
Não sei se há fim, se há destino
Se há repositório
E o castigo me trouxe a paz
Porque há um lugar sem nome
Há uma fonte de culto
Lá bem distante
Onde o canto não acontece mais
Um único lugar em chamado constante
Feito um rio sem mágoa
É do leito assoreado que emerge
Eu vejo a casa, as paredes, o chão
É torto, é reto, é a costela da nação
Lá onde não estou
De onde saí
Réquiem
Meu amigo voou das janelas
Aterrissou no chão revolto de Copacabana
Soube do fim dos dias pelas letras garrafais engarrafadas
A carta dentro da garfada
À beira
Da água, da praia, da maré
Eu? Eu boio na falácia das ondas
Nunca aprendi a pegar jacaré
Vejo todos os meus amigos voando
Pelo céu constroem esculturas de fumaça e nuvem
Quando criança queria eu ser uma nuvem
Eles descem em um slow motion divino gravado a mil quadros por segundo
No filme mais bem mal editado do mundo
“Ah, a literatura, ou ela me mata, ou ela me dá o que eu peço dela”
Disse-me o meu poeta
Gritou em pleno vôo em planos pulmões
Seu cerco acabou em sangue
Pintura daguerreótipa, inútil sem mecanismo
Meu amigo não foi o único
Tenho medo de seguir o nosso destino
Seria ele o eu do futuro
A outra também encontrou o mesmo desatino
Destrambelho trincou-lhe os dentes
Bruxismo sem feitiçaria
Porca tropicana, morta no abatedouro sem pele nem mancha
Rebento abjeto, ainda inútil seu sacrifício
O teu deus não perdoa a própria carne
Se não fala da morte, já diz tudo
E assim se esvai
Hemoglobina seca o asfalto que toca
A mancha é visível do alto
Ela se torna o meu alvo
Estagnação
Os sapatos seguem espalhados
As meias dispostas em bolo
Todas sujas, sem serventia até nova lavagem
Lençol destinado, desbotou nos cantos
Almofadas presas ao chão pela falta de vontade em afofá-las
Gritos de socorro dos bonecos de ação não dispostos em poses crônicas
As portas fechadas do armário
As prateleiras abertas da estante
Monções internas das quatro paredes
Manchas e cabelo largados
Escolhas perdidas por baixo da cama
Destroços de sonhos e desejos e conjunturas e uniformidades
Apenas um dicionário à mão, ainda fechado, ainda sem dono
Bolsas e bolsas penduradas e perdidas como se estivessem à venda
Sussurro solução concreta
Derrubem os mares e alteres
Construam calabouços de túneis
Ergam os órgãos organizacionais
Sou teu coveiro das convenções mundanas
Escreve pelos papéis de cópia
Chegou o mimeógrafo, a nova encomenda
O cheiro de álcool sobe, a imagem retorna, a pele agradece
Mais um objeto para a coleção
Ainda há espaço para ocupar