Três poemas de Leonardo Tonus
Leonardo Tonus é Mestre de Conferências Habilitado a Dirigir Pesquisas na Sorbonne Université (França). Membro do conselho editorial e do comitê de redação de diversas revistas internacionais, atua nas áreas de literatura brasileira contemporânea, teoria literária e literatura comparada, com pesquisas sobre imigração.
Em 2015, foi curador da parte francesa do Salão do Livro de Paris e, em 2016, da exposição Oswald de Andrade: passeur anthropophage no Centre Georges Pompidou (França). Em 2014, recebeu a condecoração de “Chevalier des Palmes Académiques” pelo Ministério de Educação francês e, em 2015, a de “Chevalier des Arts et des Lettres” pelo Ministério da Cultura francês.
Publicou vários artigos sobre autores brasileiros contemporâneos e coordenou, entre outros, a publicação dos ensaios inéditos do escritor Samuel Rawet (Samuel Rawet: ensaios reunidos. Civilização Brasileira, 2008) e as antologias La Littérature brésilienne contemporaine – spécial Salon du Livre de Paris 2015 (Revista Pessoa, 2015), Olhar Paris (Editora Nós, 2016) e Escrever Berlim (Editora Nós, 2017). Acaba de lançar sur antologia de poemas Agora vai ser assim (Editora Nós, 2018).
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Ouriço
Quero ser a mão de que se servirá o imprevisto
quando a escrita habitar meu pensamento
inconsciente como uma queimadura.
Quero que minha voz migrante ecoe
na espera de lugar algum.
Ocupar um lugar é sempre ocupar o lugar de alguém,
à sombra de nossa boa consciência,
sufocada no lodaçal da memória
de derrotas
e desrotas.
Abandonei a terra. A família. A casa da família.
Perdi o giz da lousa nos cascalhos banhados pelas ondas do mar.
Minha identidade é profunda.
Sou o ralo do mundo.
Um buraco,
Um homem-buraco
que nada há de preencher.
Sem descendência, genealogias ou habitus
sou o bastardo que transforma o horizonte
em pontos de fuga
sem volta.
Minha identidade é profunda suficientemente para,
em meus braços, amparar Querelle para
mergulharmos no poema do mar para,
juntos, ressurgirmos fragmentos
de nós mesmos.
Ouriços sem espinhos.
*
Partir
é só na lembrança da partida
que se revela a partida.
e o lugar que se habitava
a casa
a palavra
teu corpo
ser pó em teus olhos
hoje basta
para saber-me
morrer
*
Delicatus
Aquilo que eu chamo de poesia está no corpo
de tuas palavras que eu reviro do avesso
buscando a possibilidade
de um talvez.
Está em nossas bocas amargas
aquilo que eu chamo de poesia
dos arrepios
de teus omoplatas
suspensos
no orgasmo que silencio todas as manhãs
na escuridão.
Aquilo que eu chamo de poesia
está na disponibilidade de tuas pernas
que minhas mãos afoitas
percorrem na efemeridade
daquilo que eu chamo de poesia
a flor da pele
de tua pele
à flor.