Três poemas de Lubi Prates
Lubi Prates (1986, São Paulo, Brasil) é poeta, editora e tradutora. Tem dois livros publicados, coração na boca (2012) e triz (2016), além de diversas participações em antologias nacionais e internacionais. Seu terceiro livro, um corpo negro, foi contemplado pelo PROAC com bolsa de criação e publicação de poesia e será lançado em 2018. É sócia-fundadora e editora da nosotros, editorial, e é editora da revista literária Parênteses.
***
1.
você traz na boca
todo o gosto do mar
e eu tento adivinhar
inutilmente
quantos oceanos você atravessou
hasta aquí, hasta mi
quais oceanos você atravessou
hasta aquí, hasta mi
para guardar em si
tanta água, tanto sal
em cada gota de saliva.
você traz na pele
todos os tons da terra
e eu tento adivinhar
inutilmente
quantos continentes você percorreu
hasta aquí, hasta mi
quais continentes você percorreu
hasta aquí, hasta mi
para guardar em si
tanta cor & esse cheiro que acentua quando tempestades.
você diz reconhecer
o gosto de mar que trago na boca
os tons de terra que trago na pele
fácil perceber então que
atravessamos percorremos
os mesmos oceanos os mesmos continentes
hasta aquí
: somos filhos da África
e tudo que contamos através dos nossos corpos
fala sobre nós, mas no profundo da memória
guarda nossos ancestrais.
*
2.
nos tornamos maiores
que um continente
agrupamento de
quilômetros
de terra
apenas com nossos corpos
um sobre o outro.
nos tornamos maiores
que um continente
isolados por oceanos
ou riscando fronteiras entre
tudo que era nosso e
o resto.
nos tornamos maiores
que um continente
e não precisamos de
guerra fincar bandeiras
colonizar o outro dizer
esse território é meu.
nos tornamos maiores
que um continente e
inventamos
um idioma próprio.
nos tornamos maiores
que um continente.
nos tornamos maiores
que um continente e
sequer percebemos quando
nossas terras secaram e
surgiu a rachadura
a fresta existente entre as minhas pernas ficou profunda
até alcançar as águas possíveis
de movimentar as placas tectônicas
as águas possíveis
de separar os corpos
as águas tão inconscientes
abaixo do lodo que temos todos.
nos tornamos maiores
que um continente e
prevejo
demorará séculos milênios
para matarmos nossa civilização.
nos tornamos maiores
que um continente e
prevejo
demorará séculos milênios
para alcançarmos a distância que existe
entre África e América Latina.
*
3.
este poema
não diz seu nome
este poema
não diz se veio
este poema
não diz seus atos
este poema
não diz seu nome
este poema
não diz a matéria
da qual é feito
a matéria que desaparece
quando nossos corpos
se chocam.
este poema
não diz seu nome,
é você
porque é ausência.