Três poemas de Marcus Cardoso
Marcus Cardoso é poeta, músico e mestrando em literatura portuguesa pela USP. Vivente na cidade de Ribeirão Pires, lançou em 2016 Todo poeta mente sinceramente e, em 2018, a plaquete Palimpsesto, eu: ambas de modo independente. Teve poemas publicados na revista Vício Velho e escreve, semanalmente, ensaios-prosas-poéticas que teimam em chamar de resenhas, para o site FolkdaWorld. É cantautor no projeto Reticente e segue buscando maneiras diversas de atravessar o múltiplo subúrbio da palavra.
***
existe um buraco no vazio:
uma fresta faísca
no próprio
vazio
nesse corpo, nesse
encouraçado
chamado
vazio
existe algo indizível no vazio:
o poema é essa
busca labuta
pelo impreenchível
do vazio
enquanto
poesia é o que vaza
do vazio
*
Palavravalise: linguangústia
da incerteza que circunavega
a decadente cadência
desses versos:
(ou seriam braços?
ou seriam olhos?)
cada palavra um sorriso desdentado
e sincero
cada espaço um pulmão em
erupção
fazer poema
com a sobra da língua
em que o caos
eclode
*
às seis, numa sacada
para c.c.
é como se quisesse pegar
cada segundo
e desfiá-lo,
desesperadamente,
até segundo virar hora
até hora virar imensidão
até não sobrar mais
tempo nenhum
roupa nenhuma
espaço nenhum
entre nós
só a pele:
num contrato
enrubescidamente
assinado
só as mãos:
num contato
eximiamente
ambicionado
é como se quisesse filmar
um longa
com você arrumando o cabelo pro lado
apenas
e os fios descansando felizes
no seu ombro
duas horas e uma cena pós-créditos
só desse frame
exuberante
ganharia cannes
ganharia, deslumbrante,
cada espectador atento
e as palmas seriam
tão altas tão longas tão certas
é como se quisesse
e apenas quisesse