Três poemas de Marcus Groza
Marcus Groza é escritor, dramaturgo e ensaísta. Autor dos livros “e a lua como órgão principal” (Ed. Primata), “Sossego Abutre” (Ed. Patuá) e “Do Buraco à Poça” (Ed.Patuá), donde esses poemas foram retirados. É também editor da Revista Abate. Seu ensaio “Hacia una poética del olvido” foi publicado em Barcelona recentemente na publicação impressa “Olvidar – Brumaria Works#9”.
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Ode à casa das águas
a avó Sebastiana
Quando a velhice vier com suas portas sem maçaneta,
com seu excesso de entendimento (para alguns)
e com escombros para os meus olhos já gastos,
como tu, hei de enlouquecer aos poucos
dentro de pequenas metáforas,
e minhas frases serão, quem sabe,
rimadas e com sutis aliterações, feito as tuas.
As plantas e os cães também me farão companhia
e vão entender meus silêncios, quando outros não estiverem ao meu lado…
Quando a velhice vier com seu vento mais forte,
com um destino escorregadio,
com crescentes degraus de escada
e com o passado mais presente que o futuro,
como tu, também não vou dar ouvido a lembranças,
não vou deixar de ressuscitar os meus mortos,
(os mortos que tanto amei!)
muito menos deixar de me fazer de filho
e de tentar pronunciar de mil outras maneiras o meu nome.
Poética
Agora é do atrito entre os pés e o chão
que eu tiro a minha música,
mas é do atrito de pés dançando
dançando coreografias
que não desencadeiam primaveras
nem precedem a chuva.
Eu já dormi e acordei muitas vezes,
não posso me embriagar só de pão, peixes,
boas colheitas e de flores recém-colhidas
sobre a mesa posta.
Quero o veneno que a manhã verte
nos olhos do cego,
o vermelho encarnado que
não atrai touros
nem paralisa automóveis,
quero um misto de voo e queda,
o fôlego morto de uma dança que sobreviva à música.
Oaristo
Por horas e anos monologuei contigo
e o teu silêncio foi uma terceira pessoa entre mim e ti.
E nas lacunas de minhas frases e sílabas,
repercutia apenas o eco magro de talheres digladiando-se,
feito espadas e sabres, sobre o branco ringue dos pratos.
Comi o teu silêncio.
Comeste o meu tedioso discurso de épocas e circunstâncias.
Solilóquio de um fôlego sem boca, medo do mofo
que o silêncio traz.
Sobre a mesa, isolando-nos, jaziam corpos em cemitérios,
havia éramos obeliscos separados, distantes, incomunicáveis
apontando não sei que infinito de solidão nas alturas.
Assim avançamos, eu e tu, em direção a madrugadas
e invernos,
à luz de velas e pirotecnias arcaicas,
ao som da minha voz em cânticos e digressões.
balé da língua na boca,
homilias e desvarios que a lua olvida…
E eu te falei do amor entre os gregos, de palimpsestos
perdidos, da medicina medieval e
de poetas modernos
e antigos.
Eu recitei para ti todos os versos que sabia de cor,
eu te disse todas as palavras e sílabas que fora capaz de conhecer,
e depois de tudo eu te disse então:
– Eu te amo! – Eu te amo!
E então eu gritei que te amava,
e tua inclinação sobre a mesa,
teu sorriso esquecido no rosto, teu nariz
me disseram sem desvelo o que pensavas do amor
e o que de azul me guardavas em teu céu desbotado.
Nada, nada houve em ti ao longo dos anos que não fosse
um breve bocejo.
E como um domingo extenso e monótono
em que há nuvens e trovoadas,
mas não chove,
continuas ao meu lado muda e silenciosa
e eu a falar, porque o silêncio
seria agora inútil como um suicídio na senilidade.
E hoje ainda tartamudeio vogais, tentando
dizer o teu nome,
mas sei que tenho uma amante maneta
a quem faltam olhos para ver a luz e a montanhas.
Mas todos temos amores manetas
e amamos um espectro de sol entre as árvores.