Três poemas de Mariana Queiroz
Mariana Queiroz, poeta e psicanalista, nascida em Cuiabá MT, reside em Florianópolis, SC. Mestra em Psicologia Social, pelo PPGPUFSC. Articuladora do Sarau Mulheragens de Desterro, entre outras ocupações poéticas urbanas. Teve o primeiro livro de poesias publicado, Avoa (clique aqui para adquirir o seu exemplar), pela editora Urutau, em 2021.
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do trajeto
o corpo meu destino:
cidade
sertão
esquina
fiapos de trapos
entranhas
pequenos estilhaços
de trama
o corpo este tropeço:
pedra
estômago
seios
*
clausura
tinha as esquinas da boca
rasgadas à navalha
o coração
um porco espinho
olhos de cimento
saliva de fel
dedos engruvinhados
unhas afiadas
era criatura
sai assombrosa
sete metros de altura
caminhava invisível
pelas ruas
tudo dizia da presença:
o chão trêmulo
o odor exalando dos bueiros
espinhas aflitas e contraídas
tinha as esquinas da boca
rasgadas à navalha
pelas glândulas mamárias
caia lava
transeuntes atônitos de olhos erguidos:
chovia pedregulho do céu
não havia nada de solene
pés esmagavam canteiros
era criatura
dos escoamentos
jamais lhe seria permitida
a luz do dia
esquivariam os olhos
não lhe ofereceriam os palmos
seria encarcerada
súbita
ao ser avistada
no espelho
*
é carnaval
mastigo os calcanhares
é carnaval
prontuários perniciosidades
provérbios
purpurinas
pretéritos imperfeitos
regem os dias
.
nenhuma palavra
faz caber
dentro dos grunhidos
.
mastigo os calcanhares
o dossel das árvores
mastigo o asfalto
que nasce por onde passam teus pés
mastigo os calcanhares
é carnaval
de quem são esses pés
que toco os dedos
para que servem
de onde vêm?
a quem pertence
este caminho?
estes olhos
estes cabelos
a mão na boca
estupefata
mastigo os calcanhares
uma despedida
me come as cartilagens
parafernálias eletrônicas
zunem
não nos alcançamos
pela palavra
ficam estas mãos
mastigo calcanhares
é carnaval
cavo por entre os músculos
as vias e veias
que naveguei
mastigo os calcanhares
rasgo a pele
assassino células
discorro afazeres pelo dia
empilho jornais
.nenhuma palavra.
mastigo
sinto entre os dentes
a rocha
porosa do precipício
entre nossos olhos
é carnaval
alcanço-te vertigem
gotejas pelos cantos
da casa
a cidade se veste
dos nossos gemidos
não há como se esconder
mastigo os calcanhares
os joelhos
os ombros
.
nenhuma palavra
.
as digitais
percorrem a pele
conduzidas por uma eletromagnética
delirante
te avisto:
apocalipse
tropa de choque
oásis
nenhuma palavra
parece ornar
com a cena:
os olhos
ao fim do trajeto
do teu tronco
amanhecendo
na ponta
da minha língua