Três poemas de Masé Lemos
Masé Lemos é professora da Escola de Letras da Universidade Federal do Estado do Rio de Janeiro – UNIRIO e fez doutorado em Letras pela Universidade Sorbonne Nouvelle – Paris 3 (2004). Tradutora e poeta, é autora de Redor (7Letras, 2007), Rebotalho (Cozinha Experimental, 2015), No circuito das linhas (Oficina Raquel, 2016) e Belo Horizonte Boulevards (7Letras, 2018).
Todos os poemas são inéditos, os dois últimos foram lidos no sarau realizado em 13 de outubro de 2018 pelo coletivo MESA, na Gamboa, Rio de Janeiro.
***
Belo Horizonte
Para Carlos Drummond de Andrade
Belo Horizonte é uma cidade
moderna
Boulevards cortam
montanhas o antigo
Curral d’el Rey
Na escola
não me lembro qual
gostava de estudar sua história
A professora explicava
e mostrava o mapa
Gostava ainda mais
do frio
na barriga
O consolo que sentia
no banco de trás
O carro deslizando
rápido
por suas ondulações
As montanhas sempre aspiraram
inspiraram a permanência
a paisagem – eu não sabia
escavada ondulante era só progresso
atingindo os corpos
As avenidas
buscavam pela cidade
a fonte
mineral da extração
Exumar vida nessa
terra só de ferro, aridez
sem consolo seus horizontes belos
e novos
novos e já perdidos
*
Rio de Janeiro, 13 de outubro de 2018
I
Tenho nós
dentro de mim
Ruas – regiões antigas
minúcias guardadas e
correntes de ar
O Valongo é de se olhar
– de se lembrar
jardins suspensos
encravados vales
tão longos e
tristes
A Saúde é refúgio
quilombo
Pedra do Sal
dobra marés e traz
– moço lindo do Badauê
para a Gamboa
II
O pequeno esteiro
se enche
ambulantes vendem
casas decalcadas
no morro
a rua Jogo da Bola
toda delícia
se abre
Num largo
ainda
– moça linda da oficina
experimenta
a poesia
nos alimenta
puropirão
a mesa posta
Conchas do mar
*
Para Adília Lopes daqui do Brasil
Da urgência
crescem
outras
são remendos diários
colagens
tecidos
azuis esgarçados
plásticos
restos de lã
fios do último carnaval
linhas de Carolina
Maria de Jesus
– catar aos poucos algum
milagre
criar um mundo
mais vasto
ao acaso
as rimas
do feijão inesperado
no prato a palavra
desenha
um bom dia é
uma oração
um poema de
amor uma
epopéia