Três poemas de Maurício Simionato
Maurício Simionato nasceu em Assis (SP), em janeiro de 1973. Morador de Campinas (SP), é graduado em jornalismo pela PUC-Campinas e fez pós graduação em Comunicação e Marketing. Começou a percorrer redações de jornais em 1993. Trabalhou como repórter em alguns jornais impressos de Campinas e São Paulo, entre eles no jornal Folha de S. Paulo, onde fez reportagens por 12 anos. Foi correspondente do jornal na Amazônia, morando em Belém (PA) por quase três anos. No final de 2012, passou a trabalhar em uma nova vertente na carreira: assessoria de imprensa. Começou a escrever poesias ainda na adolescência. Publicou dois livros de poesias: Impermanência (2012) e Sobre Auroras e Crepúsculos (2017-Ed. Multifoco). O autor também é colecionador de vinis desde a adolescência.
***
Sangue sem número
Homem, e esse teu sangue?
Essa gota no fio da navalha, pra que lado escorre?
Além do limite da vazão,
Transbordou para dentro.
Quando lhe fervem as têmporas?
E esse teu sangue, homem?
Por ora,
encharca tuas vestes de sujeito alguém
sugado da sua jugular na próxima esquina
teus ossos borrados te carregam pelas andanças
Homem, e esse teu sangue?
toma-te com timidez os pulmões surrados pelo dia-a-dia
o tempo que lhe corre nas veias lhe saboreia sem planos
E esse sangue homem?
Por onde andas?
Está tão sumido.
tua corredeira secou
tua cor desbotou
teu pulso gelou
E esse teu sangue homem?
Teu gosto de desgosto ferroso no céu boca.
Está sem vigor
a agulha não achou tua veia
mas tua veia sumiu
seu rosto empalideceu
o ônibus não parou
o asfalto calou-se.
E aí homem? E esse teu sangue? Tem jeito?
Que fim levou?
Ele não tem data.
Não tem tipo.
Não tem número.
A pele irrompeu,
o dia acabou,
a fonte secou.
Eesseseusanguesuadosemsabor?
Tratos feitos: sugue aqui.
Poucas hemácias. Muitos defeitos.
O fluxo parou.
A pressão baixou.
e seu amor, coagulou.
Lapso
Lapso
Relapso
Colapso
Deixo para trás o vão que falta para me completar
Trago nas mãos o desleixo com que respiro o mesmo ar
Desvio meus ombros dos escombros que hão de me tragar
Lapso
Relapso
Colapso
Respiro o que me faz ficar sem gás quando suspiro o que não há
Desequilibro de tanto andar na corda bamba que faz saltar
Entro em choque com meus pensamentos ajoelhados no altar
Lapso
Relapso
Colapso
Reviro tudo o que posso parar de acreditar
Faço correr o percurso da vida que se habilita a me ver passar
Desmereço o covil de estrelas que estão a me desvencilhar.
Colapso
Relapso
Lapso.
Permanência
Isso é tudo.
Eu terminei.
Deixem-me aqui vendo as sombras de algum sol
Ocultarem-se nas pálpebras do tempo.
Deixem-me entrar para o rol
Das coisas desinteressantes,
Das coisas que não têm vez.
Isso é tudo.
Eu terminei.
Desta vez, apenas não olhem no fundo de meus olhos.
Não me reconheçam.
Desapareço
Para entrar em um mundo de seres
Que avançam para trás.
Invado praias que sempre estiveram desnudas,
Sempre estiveram à beira do caminho.
Desoladas com suas desilusões. Pregadas às tábuas das marés
Miragens desfocadas esclarecem minha sede.
Retiro-me ao canto dos exilados suprimidos.
Retiro-me para o sótão
Dos totens desperdiçados,
Dos mísseis desativados,
Dos miseráveis vulcanizados,
Das gangorras enferrujadas,
Das golas esganiçadas,
Das gaiolas empoleiradas.
Eu terminei
Com minhas primaveras retirantes,
Desencravadas do chão por homens de mãos atadas.
Passei do ponto, afinal.
Irreconhecível no banco de trás,
Gozando a insanidade vã das desesperanças flutuantes.
Descumpro regras apenas por desgosto.
Terminei com as poucas verdades deslavadas,
Com minhas mentiras desconcertantes,
Meus mantras desconcentrados.
Na cara do dia, desemboco uma saraivada de mesmices.
Escorro para a tarde,
De cara lavada,
Feito lava quando encontra um lar.
As cinzas, ora as cinzas,
São uma questão de tempo.
Renasço sorridente no meio de uma floresta com cheiro de chuva,
E digo que toda vida não passou de uma brincadeira.
Foto Ricardo Lima.